A santa que salvou minha vida
Quando o amor não circunscreve os ritos e dogmas religiosos, mas ultrapassa os limites da moral cristã
Jamieson Simões
jamrsimoes@gmail.com
Eu ando por muitos lugares, converso com muita gente e escuto muita coisa. Acho que escutar é o que mais faço na vida – talvez resquício da prática pastoral, dos momentos de confissão ou da “cura d`almas”. O fato é que as pessoas abrem com facilidade seus corações e segredos, e eu escuto e guardo no alfarrábio imaginário das confissões.
Andando pelas ruas do Pirambu (perifa importante de Fortaleza), conheci uma senhora negra, muito bonita, vestido acinturado e simples, e o corpo trazia vívida a lembrança de que a beleza e o feitiço da juventude ainda não a deixaram. Era de fato muito bonita, e os 60 e tantos anos não lhe pesavam.
Pois bem, ela sabedora de que eu conhecia um importante teólogo, referência religiosa e política para os cristãos, me contou e não pediu segredo – acho que tinha até um certo orgulho em contar o ocorrido. Narrou que, quando tudo ali era só duna e casebre de papelão, em visita à comunidade, o santo homem ia passando em frente ao seu barraco. Ela, inebriada com aquela visão, convidou-o para entrar e, quando ele adentrou o cubículo, ela se despiu, deixando cair o pouco pano que a cobria, virou as costas e disse:
– Padre, me coma! Nunca fui possuída por um santo.
Conta que o santo homem suava, calor do meio-dia, no barraco de madeira e plástico. Sua barba era cheirosa e suas mãos não tremeram quando ele se abaixou e foi subindo o vestido da pobre mulher (era jovem e fogosa nesses idos). Ele agradeceu a demonstração de carinho, disse que recebia a intenção como um presente, a abraçou e abençoou. Ela narrou o episódio com paixão. Aprendi a reconhecer nos olhos a presença de um amor que ficou e ali estava o amor daquela vida toda, presente, enquanto ela falava sem pudor, nem culpa, da oferta de amor feita ao santo encarnado.
Agradeci a partilha e continuei minha andança. Conheço o santo em questão e confesso a minha surpresa de uma aproximação tão humana, tão encarnada do amor. Afinal, há formas de fazer amor mais profundas do que o sexo e aquele encontro foi um ato de amor profundo que, certamente, marcou pelo menos uma das vidas envolvidas.
Terminei o rolê na beira do mar. Completamente atravessado. Aquela mulher, não tendo o que oferecer, oferece o próprio corpo. Eu fico atento o suficiente para perceber que o amor não circunscreve os ritos e dogmas religiosos. Ultrapassa os limites da moral cristã que se pretende reguladora das relações. Eu conheci uma santa mulher, ela me ensinou sobre o amor e a minha alma foi salva (pelo menos naquele dia).
Jamieson Simões é um corpo-negro no mundo com toda potência que isso implica. Está no Instagram.