As redes sociais buscam assento na CPI da Covid
Democracia brasileira assiste ao que pode ser uma nova dinâmica de comunicação entre as instituições e os cidadãos
Desirée Cavalcante
desireecavalcantef@gmail.com
A CPI da Pandemia segue consternando e movimentando a rotina dos brasileiros. Em meio aos depoimentos e às confirmações tão aguardadas sobre o caos sanitário e a negligência política, as redes sociais parecem ter fornecido um caminho de acesso dos cidadãos ao centro da Comissão.
A preocupação com os riscos da disseminação de desinformação e da criação de robôs e perfis falsos – que fizeram o relator Renan Calheiros (MDB) buscar o Twitter para adotar medidas de combate às fake news e de identificação de páginas falsas – não é o único ponto de destaque. Na verdade, a queda de apoio ao governo Bolsonaro no ambiente virtual – onde as bases aliadas costumam ter boa articulação – e ainda o apoio popular à CPI ganharam enfoque logo após os primeiros depoimentos.
Um reflexo do engajamento popular com as investigações é percebido na atuação dos usuários e na criação de perfis, que estreitaram a comunicação com os parlamentares e passaram a fornecer material para a Comissão. Em um movimento relevante, além da divulgação e sistematização dos fatos, na velocidade própria das redes, os usuários têm fornecido informações para embasar a atuação dos parlamentares. Na prática, além dos comentários e questionamentos, as redes sociais têm atuado naquilo que fazem de melhor: encontrar publicações antigas, revelar prints de conteúdos apagados e impedir que algo seja facilmente esquecido.
Foi o que ocorreu durante o depoimento do ex-secretário de Comunicação da Presidência, Fábio Wajngarten, que negou que o perfil da Secretaria de Comunicação da Presidência (Secom) tenha sido utilizado para propagar informação negacionista. A publicação da campanha O Brasil não pode parar, no entanto, que chegou a ser apagada do perfil oficial do governo nas redes sociais, foi rapidamente replicada por usuários no Twitter e enviada aos perfis dos membros da Comissão.
Igualmente, após Wajngarten afirmar que teria ficado afastado da Secom em razão da infecção pela Covid-19, em 2020, foi compartilhado e, posteriormente, exposto pelo senador Rogério Carvalho (PT) o vídeo de uma transmissão ao vivo, do dia 13 de março do ano passado, quando o ex-secretário afirmou estar “trabalhando normal” mesmo com o diagnóstico positivo.
A Secom não foi a única. O site do Ministério da Saúde também teve revelada a tentativa de ocultar informações, após apagar links sobre a prescrição de cloroquina para a Covid-19.
Os parlamentares não têm ignorado os comentários. Ao contrário: não são poucas as mensagens de incentivo à continuidade da ação dos usuários, além da explícita menção ao encaminhamento dos conteúdos aos demais integrantes da CPI.
De fato, a força desse movimento não é menosprezável. É certo que as redes sociais não funcionam a partir das regras próprias de um sistema de justiça: já há um longo debate sobre a cultura de cancelamento, os resultados perniciosos do “tribunal da Internet” e a extensão dos danos que uma informação falsa pode causar na vida das pessoas. Não há dúvidas, no entanto, que as palavras e os dados ganharam uma nova dimensão política nesse cenário.
A democracia brasileira, em um momento de tantos abalos, assiste ao que pode ser uma nova dinâmica de comunicação entre as instituições e os cidadãos. A influência política tem seguido caminhos distintos e afastado uma dose de apatia de parte dos brasileiros.
Sem relevar a necessidade de observância da integridade e da segurança dos conteúdos, a articulação popular frente a um objetivo comum e a busca de ação efetiva, que supere a mera insatisfação e devolva algum nível de confiança nas instituições, são mais do que bem-vindas.
Desirée Cavalcante é advogada, professora e pesquisadora na área de Direito Constitucional. Está no Instagram.