Body positivity e o ódio ao próprio corpo
Sempre tive problemas com o meu corpo. Sendo baixinha, tive que aceitar a estatura logo cedo porque não havia nada que eu pudesse fazer sobre isso – além de usar sapatos ridiculamente altos. Mas estar acima do peso, ou achando estar acima do peso, me consumia muito.
Eu estava sempre na batalha de tentar e não conseguir perder peso. Esta frustração afetou as mulheres da minha família por muitos anos. No Brasil, sempre senti que não há tabu em torno do desejo de ter uma boa aparência. Além disso, é quente e isso requer ficar muito confortável em não cobrir muito o corpo, mesmo correndo o risco de achar alguém para comentar sobre sua aparência. Ao me mudar para a Inglaterra, fiquei aliviada ao experimentar a renomada discrição britânica e o frio – eu comecei, então, a cobrir o corpo e a ganhar peso.
Meu humor sempre foi determinado pelo número na balança. Perdi? Eu ficava nas nuvens. Mais meio quilo? No chão. Por causa da minha obsessão pelo peso, sempre procurei por soluções. Dietas, comprimidos… uma vez, tomei um medicamento usado para tratar a obesidade, pois aumenta rapidamente a sensação de saciedade, a Sibutramina.
Estava maravilhada. Eu simplesmente não tinha fome, mesmo sentindo efeitos colaterais absurdos – insônia, palpitações, ansiedade. Fico até com vergonha, hoje, de dizer que fiz isso. Mas na época, não. Parecia normal. Em minha mente, tudo o que alguém via quando olhava para mim era uma menina gorda. O melhor elogio que alguém poderia fazer era a pergunta: “Você emagreceu?”. Quando olho para as fotos minhas naquela época, vejo que meu corpo estava perfeitamente normal. Que tristeza ter gasto tanta energia mental me preocupando com isso.
E aqui, no auge dos meus 40 anos, estava contente em me ver diferente, em um mundo vibrando com o body positivity que desafia as formas como a sociedade apresenta e vê o corpo físico. Mas eu percebi que, mesmo pregando isso e abraçando o movimento, vi a hipocrisia em falar da aceitação da gordura e, ao mesmo tempo, continuar falando sobre sentir-me gorda e também listar minhas últimas tentativas de perder peso.
Quando gravei o último episódio do meu podcast, o Chá com Rapadura, um ouvinte levantou um problema conosco depois. No programa, falamos sobre um dispositivo que foi inventado para ajudar na perda de peso e, embora soubéssemos que parecia bizarro e medieval, eu disse – brincando – que estava curiosa para experimentá-lo. O tal produto usa ímãs para impedir as pessoas de abrirem a boca o suficiente para comer alimentos sólidos. Simplesmente ridículo. E não é nada engraçado.
Não podemos continuar elogiando essas mulheres incríveis que amam seus corpos, de qualquer forma e tamanho, e desejando parecermos completamente diferentes. Quando fazemos isso, o que estamos dizendo é: “Não quero que outras pessoas digam que sou gorda ou me julguem pelo meu peso, mas não há problema em odiar meu corpo, criticar minha gordura e querer mudar meu corpo.”
Estamos defendendo um duplo padrão tóxico. Nossos julgamentos sobre peso estão tão enraizados em nossos valores culturais que muitas de nós estamos fazendo isso sem saber. Sintam-se abraçadas. Que triste continuar equilibrando nossa autoestima pelo tamanho do jeans que estamos usando. Entendo, super entendo.
E se você leu até aqui, aproveite para deletar as influenciadoras que te fazem sentir assim – como se precisasse continuar nessa batalha. Especialmente aquelas que, apesar de estarmos passando por uma crise de saúde sem precedentes, a mensagem que passam nas redes sociais agora é que devemos, de alguma forma, “aproveitar ao máximo” o tempo que passamos dentro de casa e emagrecer. Essa batalha não existe, amiga. A luta, agora, é contra outra coisa.