Calma, estamos indo bem
Estamos vivendo tão mais e melhor que temos tempo até de problematizar coisas simples
Simone Mayara
simonempf@gmail.com
Não é fácil acreditar que as coisas vão bem. A verdade é que coisas ruins sempre aconteceram, mas, quando televisionadas, e passando sempre dentro de nossas casas, ou na palma de nossas mãos, elas ganham a proporção de onipresentes. Doenças, acidentes, tragédias e tufões fazem parte da história. Mas proponho afastar o romantismo por um minuto e olhar os fatos.
Existem os profetas do caos. O novo apocalipse verde já foi previsto algumas vezes. Em 2007, a manchete da BBC de Londres dizia Verões do Ártico não terão gelo em 2013. Em 2009, o ex vice-presidente dos Estados Unidos disse o mesmo e deu o prazo de 5 anos. Estamos em 2021 e eles continuam lá. Em pesquisa publicada em 2002, Neve que cobre o Kilimanjaro deve acabar totalmente até 2015, cravou uma pesquisa da Universidade de Ohio em 2002, divulgada por muitos jornais e revistas.
O americano Al Gore repetiu esse alarme no documentário Uma verdade inconveniente, de 2006. Bem, estamos em 2017 e o ponto mais alto da África continua cheio de neve e cercado por glaciais. James Lovelock, autor de boa parte das teorias utilizadas inclusive no documentário Uma verdade inconveniente, assumiu em reportagem recente que a sua obra continha algum alarmismo.
A crença de que o estado natural, o estágio inicial da civilização, é a bonança e a riqueza colabora muitíssimo com isso, inclusive, é o tipo de pensamento que faz com que alguns defendam a volta aos padrões antigos. Mas a nostalgia não deixa espaço para lembrar que as taxas de sobrevivência de crianças eram mais baixas: a expectativa de vida, em alguns casos, aumentou 50%. Houve um tempo em que um acidente doméstico, hoje considerado simples, era o suficiente para matar, por falta de conhecimento científico ou de instrumentos para solucionar um corte um pouco mais profundo, por exemplo.
O estado de natureza que aparece nas obras de filosofia política pode ser hobbesiano, de todos contra todos, ou rousseauniano – parece que o último tem sido o escolhido por quem critica a humanidade, os tempos atuais, e pede a volta ao idílico. Para Rousseau, vivíamos em plena harmonia, não só entre os homens, mas também com a natureza. As trocas de materiais e os contatos mais intensos entre os grupos teriam nos posto a perder.
Estamos vivendo tão mais e melhor, que temos tempo de problematizar coisas simples. Se os nossos antepassados, com pouco acesso à energia elétrica, água limpa e medicamentos, por exemplo, gastavam a maior parte do dia tentando sobreviver, nós, que já nascemos com tudo isso garantido – ou, no caso do Brasil, que muita gente que ainda não tem acesso ao saneamento básico -, temos tempo para tergiversar sobre as próprias vitórias e questionar os pilares que nos trouxeram até aqui.
“Mas não é porque está menos ruim que temos que aceitar”. Você pode pensar ao ler. Concordo plenamente. Mas a história da humanidade nos mostra que essa melhora é paulatina. Lenta, com idas e vindas. “Mas e o bilionários?”. Esse é outro pensamento que costuma surgir e que tem virado moda ultimamente. Já foi comprovado que, para gerar um bilhão de dólares de riqueza para si, geraram pelo menos 8 bilhões ao seu redor.
“Mas então você defende os ricos”. Não, e isso é sempre muito difícil de explicar. A partir do parâmetro realista, sempre haverá alguém mais rico, isso não é um problema. O problema é ter gente vivendo na miséria, em padrões desumanos.
Estamos vivendo mais tempo, com mais saúde. Os fatos estão ao lado dos positivistas, o que não significa criar o céu na Terra.
Simone Mayara é Analista Política no Instituto Livre Mercado. Está no Instagram.