Ciro Gomes e o custo da transação política
Desde sua primeira disputa presidencial, em 1998, Ciro Gomes tem se colocado como uma alternativa de centro-esquerda. Como recorrentemente lembrado por seus críticos, Ciro transitou por diferentes partidos, mas sempre legendas consideradas do espectro mais progressista (PPS, PSB, PDT) a exceção do PROS. Vale destacar que sua mudança para o recém criado PROS, em 2013, foi justificada por atritos com Eduardo Campos (PSB), que lançaria candidatura a presidência em 2014. Naquela época, Ciro Gomes optou por manter aliança com o PT nacional e, não custa lembrar, sua ida para o PROS transformou a sigla numa das maiores do Ceará entre 2013 e meados de 2015. Sua passagem recente pelo governo Lula e a posição contrária ao impeachment de Dilma ajudaram a consolidar uma imagem (e um eleitorado) mais próximo ao campo da centro-esquerda.
Nas eleições de 2018, após uma tentativa frustrada de composição com o PT, novamente Ciro buscou se firmar como uma alternativa à esquerda (não-petista). Seus esforços para construção de uma grande aliança partidária (nos moldes das coalizões ferreiragomista no Ceará) não avançaram. Mas a imagem de “alternativa à esquerda” (não-petista) se manteve.
Naquela eleição, que elevou ao máximo a polarização antipetismo versus petismo, Ciro já tinha o entendimento de que para viabilizar-se como candidatura progressista não-petista precisaria descolar-se do PT. O que motivou, diga-se de passagem, a “ida a Paris” durante o segundo turno das eleições.
Passados os primeiros anos do governo Bolsonaro, a polarização bolsonarismo/antipetismo versus petismo não se diluiu. Ao contrário, continua movimentando a cena pública e capturando “corações e mentes do eleitorado”.
Não é novo o debate da “necessidade de uma terceira via” que consiga furar a polarização radicalizada e capture o “eleitor nem-nem” (que rejeita Lula e/ou Bolsonaro). De igual maneira, não é nova a dificuldade de uma candidatura que se viabilize como uma alternativa ao centro. O que tem sido tentado por candidatos e partidos desde o retorno das eleições diretas no Brasil pós-redemocratização. Quem mais chegou próximo desse feito foi Marina Silva (PSB) em 2014, contida depois de forte campanha negativa direcionada a ela pelas equipes de marketing dos então candidatos Aécio Neves (PSDB) e Dilma Rousseff (PT), principalmente.
Caro/a leitor/a, fiz essa digressão com a intenção de chamar a atenção para a importância da construção da imagem pública no universo político; do investimento que candidaturas fazem ao longo de campanhas eleitorais ou mesmo de toda uma vida pública para consolidar um ethos que fidelize um segmento do eleitorado.
Ciro, a despeito de ser um personagem polêmico e, por vezes, ambíguo, construiu sua trajetória política aproximando-se do que poderíamos identificar com a centro-esquerda. E é nesse ponto da encruzilhada eleitoral para 2022, num momento em que se vê diante da necessidade de reposicionar sua imagem política a fim de seduzir um eleitor mais conservador, pesa o custo do que chamarei de transação política.
Na área de gestão de negócios, custos de transação é um termo utilizado para referir-se ao cálculo realizado e ao processo por meio do qual se planejam novos investimentos de modo a prevenir-se contra gastos desnecessários, otimizar os ganhos e, obviamente, evitar fracasso. Mas para a finalidade dessa discussão, aproprio-me do termo para pensar os esforços de Ciro Gomes em sua saga por uma vaga ao 2º turno das eleições presidenciais em 2022.
Como já discutido nessa coluna, Ciro tem investido em reposicionar sua imagem como uma alternativa também ao “eleitor arrependido” de Bolsonaro (https://bemditojor.com/ciro-gomes-e-a-aposta-a-direita/). Convencer esse eleitor a partir da mobilização de um discurso antipetista tem sido um dos recentes empreendimentos de Ciro Gomes. Se por um lado, tece duras críticas ao governo Bolsonaro, sinalizando um projeto político alternativo (expresso em seu recente livro) em que o Estado assuma papel importante como indutor do crescimento econômico. Por outro, também ataca os governos petistas do ponto de vista de, segundo ele, uma equivocada agenda econômica e naquilo que alimentou o antipetismo em 2018: a falta de ética e os escândalos de corrupção. Ciro transita entre duas frentes: investe num discurso antipetista como forma de atrair eleitores à direita e num discurso antibolsonarista, para consolidar e, quem sabe, ampliar o segmento do eleitorado progressista.
Eis aí o dilema e o grande desafio de Ciro Gomes: com ganhar a adesão do eleitor de direita sem perder a base eleitoral mais progressista?
O custo de transação política torna-se alto porque para o eleitor a esquerda, sua “opção por Paris em 2018”, as duras críticas ao que denomina de lulopetismo e os recentes atritos públicos com Dilma e Lula tem causado certo desconforto em parcela desse eleitor, inclusive aqueles que em 2018 escolheram Ciro. Por outro lado, o eleitor conservador vê em Ciro uma espécie de “cavalo de troia”. Um candidato que incorpora o discurso antipetismo (ao criticar Lula e os governos petistas), mas que ao fim e ao cabo, não convence dado que não aparenta ser um “legítimo conservador”.
Outro problema é a polarização Lula-Bolsonaro que se mantém firme, como têm apontado as pesquisas de intenção de votos. O que estreita a margem de manobra para o pedetista (assim como para os demais candidatos da chamada “terceira via”).
A já difícil equação de Ciro Gomes ganhou uma nova variável essa semana: a filiação e possível candidatura do ex-juiz Sérgio Moro (PODEMOS) a presidência da república em 2022.
Moro, que agora se posiciona claramente como ator político, se apresentou como aquele que verdadeiramente poderia satisfazer a demanda por “renovação política e limpeza ética” posta no debate político de 2018. Alguém que incorporaria o discurso antipetista, sem os arroubos de Bolsonaro e com capacidade real de desidratar o presidente – e abocanhar aquele naco do eleitorado cobiçado por Ciro Gomes.
Ciro Gomes, que ainda não conseguiu chegar a casa dos dois dígitos de intenção de votos, terá que jogar em mais uma frente de batalha.
Caro/ leitor/a, se a terceira via irá ofertar um candidato que conquiste eleitores à direita e à esquerda (o eleitor “nem-nem”), que consiga deslocar um dos favoritos e ocupar uma das vagas para o segundo turno vai depender da habilidade dos candidatos em equilibrar o custo de transação política. A corrida pela presidência já começou e essa disputa não é para amadores!
Agradeço aos queridos amigos Annísia Silveira e Cleyton Monte, cujos diálogos e partilhas inspiraram a produção desse artigo.