Do silêncio sobre os 500 mil mortos ao estrondoso “Lázaro: CPF cancelado!”
Em plena pandemia, enquanto enfrentamos uma das piores crises humanitárias da história, é imensurável saber o quanto regredimos enquanto humanidade no Brasil desgovernado por Bolsonaro. No País dos matáveis pela Covid, vítimas da política genocida de um negacionista, e vice-versa, o presidente silenciou durante a escalada das mortes evitáveis de meio milhão de brasileiros por não ser “coveiro”.
Recentemente, porém, Bolsonaro ocupou as redes sociais – com um linguajar chulo e indigno a um chefe de Estado, mas inato a ele próprio – para comemorar a morte de um criminoso pela polícia: “Lázaro: CPF cancelado!”. Não lamentou os 500 mil mortos. Preferiu acenar ao seu eleitorado fanático, e até mesmo àqueles que já o abandonaram, mas permanecem adeptos do ditado “bandido bom é bandido morto”.
O posicionamento demonstra que o presidente continua se ocupando de sua agenda eleitoral, pautada pelo deboche. Tal qual sempre foi. Bolsonaro busca a reeleição que tanto criticou antes de sua posse. Objetivo que continuará perseguindo de maneira inconsequente. E não há prova maior disso que o genocídio em curso. Já são 520 mil vidas perdidas em razão de uma doença para a qual já existe vacina. Vacina cuja compra foi negligenciada e, pior, cujo processo de aquisição de uma das marcas está sob suspeita de cobrança de propina.
Caso Lázaro
As mortes de 500 mil brasileiros não motivaram manifestações do presidente. Bolsonaro tem suas prioridades, e governar passa longe de cada uma delas. Prefere tergiversar e desviar o foco, comemorando a morte de Lázaro Barbosa de Sousa, 32, por exemplo. Um caso que permanece em aberto e com muitas perguntas sem respostas. Entre elas, qual é a real motivação de parte dos crimes cometidos? Dúvidas que dificilmente serão respondidas após uma ação policial sob a qual há indícios de excesso.
É óbvio que a suposta reação à abordagem policial prevê a legítima defesa no cumprimento do dever legal e, portanto, um revide letal por parte dos policiais. Legal e justo. No Ceará, a morte de Lázaro, inclusive, não constaria nas estatísticas de homicídios, já que estaria englobada nas ocorrências com “excludente de ilicitude” justamente por este motivo. Mas isso, só depois de apurada a ocorrência.
Portanto, há, sim, que se apurar se houve reação à abordagem dos agentes de segurança e ainda se ocorreu o correto uso progressivo da força. Isso já é previsto nos casos de morte que envolvem agentes. Também é preciso deixar claro que as cobranças feitas neste sentido não buscam inocentar, justificar, minimizar os crimes cometidos por Lázaro ou qualquer outra bravata politiqueira feita neste sentido. Trata-se de uma questão legal, que tem como pano de fundo o risco de descambarmos de vez para o justiçamento como política de Estado. Um problema antigo, mas que se agravou em tempos de aspirações golpistas e armamentistas.
Nesse sentido, é compreensível o sentimento de “alívio” por parte dos moradores que foram atormentados pelo assombro da presença de Lázaro nas entranhas da mata durante os 20 dias cercos policiais e fugas. Não é aceitável, porém, uma manifestação tão mesquinha por parte do presidente da República, novamente reproduzindo gíria geralmente usada em contextos de letalidade por intervenção policial, seja ela legítima ou não, e também difundida para comunicar a morte de indivíduos vítimas de grupos de extermínio ou facções criminosas.
No fim das contas, a fala de Bolsonaro, com tantas questões urgentes a serem tratadas, a começar por um País inteiro por governar, foi mais uma tentativa de desviar a atenção sobre outro cerco que se fecha. E, desta vez, o foco das buscas não é Lázaro. Aquele que em breve poderá ser alcançado pela Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid terá atribuída contra si a responsabilidade por mais de 500 mil mortes. Crime de genocídio. E, ao contrário do presidente, é sobre isso que não podemos calar.