Elitismo acadêmico e preconceito linguístico
Na última semana, uma publicação no Twitter ganhou grande repercussão entre pós-graduandos. Nela, um professor branco vinculado a uma universidade pública sudestina fala sobre supostos erros nos textos que recebe e que resultam em reprovação. Eram expressões e palavras proibidas, conjunções mal empregadas e uso de siglas para se referir a países. Erros de português que, segundo ele, são inaceitáveis e justificam reprovação.
Me pergunto quem são os alunos deste professor. Quais suas histórias de vida? Onde cursaram o Ensino Médio? Tiveram acesso a livros?
Em 2014, quando ingressei na Universidade Federal do Ceará, me recordo de uma frase escrita na parede do Departamento de Ciências Sociais: que a universidade se pinte de povo. Na minha turma, só havia mais duas pessoas negras além de mim. Não tive nenhum professor negro ao longo dos 6 anos em que fui aluna de universidades públicas.
No início da graduação, eu trabalhava o dia todo e à noite assistia aula. Tive muita dificuldade para acompanhar o ritmo de leitura exigido. Mencionei essa dificuldade a um professor e ele me perguntou o que eu fazia entre meia-noite e 5 horas da manhã. Aluno que trabalha não rende, diziam.
O perfil dos alunos das universidades públicas brasileiras vem se transformando. As ações afirmativas nas universidades públicas federais foram unificadas através do projeto de lei nº 12.711, sancionado em 2012 pela ex-presidenta Dilma Rousseff. Decorridos nove anos, infelizmente, ainda é marcante o elitismo nos espaços acadêmicos.
Incentivar a entrada de pessoas egressas da escola pública sem entender que existem especificidades relevantes é ineficaz. Democratizar a entrada na universidade é importante, mas é preciso também pensar na permanência e nas demandas desses estudantes. Bolsas de apoio, auxílio alimentação e moradia são fundamentais. Adaptação do ambiente acadêmico a esse novo contexto também é.
O discurso bonito, que valoriza a universidade plural e diversa, encontra-se, muitas vezes, com uma prática que não se adapta ou não valoriza os saberes que o estudante traz consigo. Torna o ambiente acadêmico insustentável para quem vem da classe baixa, seja pelo nível de exigência, pela falta de acolhimento ou pelo deboche com o nosso modo de escrever e falar.
Felizmente, estamos furando a bolha, adentrando a universidade e mudando, desde dentro, essas instituições. Pressionamos por ações afirmativas nas pós-graduações, organizamos cursos preparatórios populares, exigimos referenciais negros nas ementas. Faremos valer a pichação no muro. Que a universidade se pinte de povo.