Eta Aquáridas e os rastros do cometa Halley
Até o dia 28 de maio uma chuva de meteoros ocorre graças ao cometa Halley. Você já pensou nos desejos que irá fazer?
Juliana Diniz
julianacdcampos@gmail.com
Uma chuva de meteoros salpicou o céu na madrugada nesta noite. Em Fortaleza, de onde escrevo, não foi possível ver com clareza, porque outra chuva – a que esperamos para molhar o solo – aliviava o mormaço das últimas semanas. Uma chuva nunca é igual a outra, sobretudo quando é precipitação de meteoros, por isso entendo a razão do fenômeno desta noite ter um nome de livro: Eta Aquáridas.
Talvez você não saiba, mas tem chovido poeira celeste há vários dias. O fenômeno da noite passada foi algo como um pico de uma janela que começou em 19 de abril e deverá perdurar até 28 de maio. Quando a Terra cruza o rastro deixado pelo cometa Halley em 1986, as partículas deixadas pelo corpo entram na atmosfera e se transformam num burburinho colorido e brilhante de estrelas cadentes.
Dizem que há rastros de poeiras do Halley de tempos ainda mais antigos, que permanecem em estado de suspensão, esperando a rota do planeta, como mapas concretos no sistema solar. Um cometa não é dado a mistérios ou discrições, deixa sua passagem inscrita no espaço-tempo como quem atravessa uma vida ansiando por ser lembrado.
Nunca ignorei o valor das estrelas cadentes, são uma oportunidade importante para acertarmos as contas com a má sorte, sobretudo em tempos de catástrofe, uma chance de pedirmos ao universo uma rota para escapar, como os personagens na tirinha do Duke. Socorro! O pedido que o Brasil poderia fazer em uníssono até o dia 28, dia após dia. Quem sabe o volume de estrelas e de gente, combinados, surtisse algum efeito.
Mas, por um instante, quero deixar o Brasil de lado e pensar sobre meus desejos mais egoístas. É extensa e hedonista a lista que estou lançando aos céus durante a Eta Aquáridas, em silêncio, mas com ardor.
Tenho desejado o luxo de poder transitar pelas fronteiras terrestres em busca de ócio. Perambular pelo mundo livre e despreocupadamente, com o rosto exposto às intempéries. Gargalhar noite adentro em jantares luxuriosos, me entorpecer sem medo dos anos de vida roubados por todos os vícios.
Não é um plano para realizar sozinha, por óbvio, por isso levaria meu amor à coté para longas horas de carícias indolentes e sem qualquer utilidade para a vida prática. Beberíamos muito e acordaríamos tarde como príncipes, à espera de um café da manhã nababesco.
Outro desejo é eliminar do meu vocabulário palavras e expressões tristes como imunidade, sorologia e patentes. Palavras que soam a doença e infortúnios. Por um longo período, me ocuparia apenas de incorporar novos adjetivos e conhecimentos ligados a sabores e sensações físicas – aquele tipo de conhecimento que não nos rende nenhuma outra serventia a não ser o prazer.
Li em algum lugar que o hedonismo ressurge em meio aos povos como cura após longos períodos de catástrofes. Nada poderia ser mais impreciso. Nossa disposição a uma vida hedonista persiste mesmo na guerra, apenas é sufocada pelas circunstâncias.
Por isso, aproveite a chuva de meteoros para tirar do fundo de sua culpa luxúria, volúpia, gula, egoísmos. Deseje. Espere. Exija. Mesmo que você não a veja, a poeira colorida cadente continua acontecendo no céu até 28 de maio. Quem sabe uma das estrelas caia ainda ardente na sua mão, como diz o poema do Leminski.
Detalhe muitos desejos, uma dezena deles, os mais inúteis e difíceis de falar em voz alta.
Ainda leva muito tempo para o cometa voltar e chuvas de meteoros não se dão ordinariamente. Nem sempre é tempo para extravagâncias.
Juliana Diniz é editora executiva do Bemdito, professora da UFC e doutora em Direito pela USP. Está no Instagram e Twitter.