Jovem, altiva e assertiva
A médica Luana Araújo prova que segurança, boa formação e altivez são remédios poderosos contra a misoginia e o negacionismo
Luana Araújo é uma médica jovem, que chegou à Comissão Parlamentar de Inquérito um dia após a constrangedora inquirição de Nise Yamaguchi, a mais notória defensora do tal tratamento precoce para Covid-19. Se colocarmos os dois depoimentos em perspectiva, percebemos que não poderíamos ter mulheres com perfis mais diferentes no papel de convidadas da CPI.
Araújo foi dispensada de cargo em secretaria do Ministério da Saúde antes mesmo de ser empossada, apenas 8 dias após sua indicação. O grupo de oposição ao governo viu no fato uma oportunidade de demonstrar o boicote sistemático do presidente Jair Bolsonaro à autonomia de seus ministros da saúde.
Diante dos senadores para explicar as possíveis razões de sua não permanência, a médica não titubeou. Com altivez, se impôs pela forma assertiva e segura com que rebatia os parlamentares, fosse para dizer que não tinha resposta para o que parecia ser um movimento político de restrição ao seu nome, fosse para desconstruir pacientemente os discursos e as fake news da ala governista da CPI.
Qualificou como esdrúxula e anacrônica a discussão sobre uso da cloroquina, declarou de forma peremptória que a imunidade de rebanho é impossível de atingir e esclareceu equívocos sobre nomenclaturas e métodos próprios da pesquisa científica na área médica.
Marcos Rogério (DEM-AP), Eduardo Girão (Podemos-CE), Heinze (PP-RS) e cia não tiveram espaço para sua propaganda farmacológica. De forma didática, Luana Araújo explicou os limites da autonomia médica e detalhou por que é absurda a previsão de tratamento experimental e sabidamente ineficaz como política pública de combate à pandemia.
A performance da médica animou a ala independente e oposicionista da comissão. Araújo deu corpo e substância à tese de que o governo foi negligente, apostando na imunidade de rebanho e no investimento em remédios sem efeito para cura e com potencial impacto sobre as taxas de mortalidade. A rigor, sequer precisaria das perguntas, a médica teve por todo tempo o controle da condução de seu discurso habilmente preparado para rebater os argumentos que ela já conhecia de outras inquirições. Gracejou algumas vezes e, pelo gracejo, ajudou a apequenar os já débeis defensores do indefensável.
Depois de várias sessões em que o Senado Federal serviu de palco ao negacionismo e à pseudociência de médicos como Yamaguchi e Mayra Pinheiro, foi um sopro de esperança perceber que ainda há profissionais comprometidos com políticas públicas eficientes, racionais e baseadas em evidência. Assim como ocorreu com a médica Ludhmila Hajjar, o Brasil perdeu mais uma ótima oportunidade para ter profissionais de ponta à frente de postos estratégicos no Poder Executivo Federal.
Luana Araújo deixa para as mulheres que a assistiram uma lição preciosa: nada como uma postura firme, segura e uma assertividade bem dosada para neutralizar a misoginia explícita de muitos homens menos capazes e despreparados que ocupam espaços de poder pelo país. Sua autoridade se impôs, e, após horas de demonstração inequívoca de competência, foi capaz de desestimular até as piadinhas quase sempre sem graça do senador Omar Aziz (PSD-AM).
Brava, Luana, deu gosto de ver e ouvir.