O desmonte do licenciamento ambiental no Brasil
A aprovação do projeto de lei 3729 é um golpe duro na proteção do meio ambiente no país e afrouxa o controle de empreendimentos com impacto ambiental
Gabriel Aguiar
bemditojor@gmail.com
Não é a primeira e nem será a última vez que os parlamentares a serviço do agronegócio tentam desmontar o licenciamento ambiental no Brasil. Contudo, se aprovado o PL 3729, será o fim, irreversível e irresponsável, de centenas de milhares de hectares de ecossistemas. Esse Projeto de Lei teve o seu texto-base aprovado na madrugada do dia 13 de maio, segue agora recebendo emendas e tramitando para sua aprovação final. Mas por que esse PL é tão perigoso para o meio ambiente? O que nós temos a ver com isso? Para compreender em detalhes, vamos relembrar a razão de existir um processo de licenciamento ambiental.
Reguladas pelo Direito, a propriedade privada e a gestão do poder público precisam considerar a natureza como um bem difuso, que não é de ninguém em especial e é de cada um ao mesmo tempo. Você pode possuir um terreno que comprou, mas não são suas as águas que correm ali, não é sua propriedade o oxigênio produzido pelas plantas que dividem o espaço com você e muito menos são seus os animais silvestres que circulam pelo seu terreno desde antes de inventarem o Direito. Esses bens difusos, além do seu valor intrínseco, prestam inúmeros serviços ambientais gratuitos às pessoas. O acesso a esses serviços pelas pessoas hoje existentes e pelas que venham a nascer é um direito assegurado no Art. 255 da Constituição Federal.
Dessa forma, quando alguém, seja uma pessoa física, jurídica ou o próprio estado, decide realizar alguma atividade que prejudique de alguma forma o meio ambiente ecologicamente equilibrado, um bem nosso, esse demandante precisa passar por um licenciamento ambiental. Esse licenciamento deve avaliar, com critérios estritamente técnicos e tão detalhados quanto for o tamanho da ameaça do empreendimento, se é ou não positivo para a sociedade o balanço de prós e contras daquele empreendimento e quais as medidas mitigadoras e compensatórias do impacto necessárias. Pois bem, o PL 3.729 tem o objetivo de modificar isso.
Este Projeto de Lei, que contou com 300 votos favoráveis e 122 contrários para ter seu texto-base aprovado na Câmara dos Deputados, dispensa o licenciamento de 13 tipos de atividades que comprovadamente geram impacto ao meio ambiente, como ampliação e manutenção em estradas e hidrelétricas, além de criar uma licença autodeclaratória, emitida automaticamente sem análise prévia do órgão ambiental, que é extremamente insegura e problemática. Com essa licença autodeclaratória, o próprio interessado na liberação da atividade impactante avaliará se cumpre as condicionantes para iniciar o empreendimento na área.
Esse processo, além da contradição evidente com a própria ‘’razão de ser’’ do licenciamento, impedirá a participação popular, implicando em potenciais violações de direitos de povos tradicionais e indígenas. Além disso, não terá como avaliar unidades de conservação e terras indígenas não demarcadas até o momento e terras quilombolas ainda não tituladas. Pelo processo autodeclaratório, o demandante não precisará consultar órgãos técnicos e científicos como ICMBio, Funai, Iphan, Ministério da Agricultura e Ministério da Saúde, fundamentais na análise conjunta do licenciamento.
Estamos em um momento crítico planetário, em que as maiores autoridades da política institucional, da ciência e das mais diversas comunidades tradicionais nos alertam, cobram e são cobradas por medidas sólidas para que puxemos o freio no grave cenário de degradação ambiental conhecido como Emergência Climática e trabalhemos para reverter esse quadro buscando um impacto ambiental positivo.
É nesse cenário que o Brasil está discutindo se é conveniente desmontar o instituto do licenciamento ambiental e pegar mais leve no que já é frouxo. Deveríamos estar discutindo como deixar o licenciamento mais eficaz, quais atividades devemos banir de forma definitiva, e quais políticas devemos empregar para reverter impactos ambientais já causados. Não o contrário. Caso sigamos neste rumo que o PL 3729 desenha, o estrago vai ser pago pela gente toda.
Gabriel Aguiar é vereador eleito em Fortaleza, biólogo e mestre em ecologia. Está no Instagram.