Bemdito

O tempo e as promessas

Os erros do projeto de lei "Anticrime", apresentado por Sérgio Moro, ex-ministro de Bolsonaro
POR Alex Mourão
Foto: Alan Santos/PR

Conforme o tempo vai passando, as rugas vão ficando mais insistentes, as dores nas costas são companhias mais frequentes e a vista já não enxerga tão bem. Acontece. Mas pelo menos duas coisas devem ser valorizadas quando ficamos mais velhos: não morremos e podemos cobrar promessas passadas.

Quanto à primeira vantagem, deixo claro que pretendo continuar aqui desafiando cada ruga a chegar mais e mais.

Quanto à segunda vantagem de envelhecermos, deixa claro, também, que sou chato. Então, gosto de cobrar promessas, principalmente aquelas que já sabemos que as premissas são tão absurdas que é claro que não serão cumpridas. É o caso de hoje.  

Inicialmente, a promessa. Lá no longínquo ano de 2018, ainda em campanha, o atual presidente prometia combate aos criminosos, pois é. Lá foi dito que haveria uma salvação e essa foi chamada de Moro.

Ainda na campanha eleitoral à presidência do Brasil, o então candidato Jair Bolsonaro apresentou uma proposta de plano de governo cheia de lugares comuns, clichês e exclamações, com ideias na área de segurança pública com forte aposta no modelo punitivista. Ou seja, repetição de erros.

Depois, com a eleição, Moro nomeado ministro da Justiça, iniciou sua cruzada para ver aprovado o seu pacote anticrime. Isso mesmo: a cruzada era dele e o pacote, como inicialmente pensado, também. Para cumprir a promessa do chefe. Algo com cheiro pessoal, que não cabe bem numa democracia. Mas não é esse o ponto. Voltando.

O então ministro iniciou sua atuação sob a áurea de ter sido o juiz que condenou vários políticos (pois é, novamente) e que iria salvar o Brasil dos altos índices de criminalidade. Em seus primeiros dias, Moro começa as tratativas para apresentar um projeto de lei chamado Anticrime, como se o crime fosse algo externo a ser combatido, em uma visão maniqueísta do bem contra o mal.

O projeto de lei Anticrime foi apresentado ao Congresso Nacional sem passar antes por profundo debate acerca de sua eficácia, seus fundamentos, seus efeitos quanto ao encarceramento em massa ou qualquer outro resultado.

A comunidade acadêmica e a sociedade civil foram colocadas à margem do debate. O projeto sofreu uma série de críticas, à constitucionalidade e à forma punitivista, mas também à falta de técnica legislativa e ausência de fundamentação.    

Essa luta pelo tal projeto era a tentativa de cumprir promessas vazias feitas na campanha – mesmo diante de todas as evidências e os fracassos das últimas décadas com políticas criminais punitivistas, excludentes, que não resultam em nenhum tipo de objetivo benéfico para a sociedade, mas tão somente o seu inverso. O que se observou foi que o projeto apenas repetiu os erros, com maior intensidade.

Nesse panorama, o referido conjunto de propostas apresentou medidas de combate à criminalidade com instrumentos que não mostraram resultados positivos em outros momentos. Tampouco tem fundamentação científica, revelando-se um conjunto de bordões de campanha que oferece uma série de “soluções” fáceis para problemas complexos.

Esse projeto – que depois se tornou lei e entrou em vigor desde 2020 -, apesar de todos os erros apontados por diversas instituições como o Instituto Brasileiro de Ciências Criminais e vários pesquisadores da área, foi imposto à pauta legislativa para uma votação apressada.

Juiz de garantias

Mas o pacote Anticrime, após sua passagem no Congresso, registrou algumas mudanças, de forma que um ou outro aspecto tinha ares de coisa boa. É o caso do juiz de garantias. 

Na verdade, era uma novidade por inserir textualmente na lei o que a Constituição Federal já garantia. Porém, por conta da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 6298, que tem como relator o Ministro do Supremo Tribunal Federal Luiz Fux, a boa nova está suspensa. Pois é. Se havia algo de bom, foi suspenso, sob aplauso de muitos.

O juiz de garantias foi inserido no ordenamento jurídico para reafirmar a escolha constitucional pelo processo que não confunde acusação com julgamento. Até hoje procuro entender o motivo pelo qual o juízo de garantias desagrada tanta gente.  

Ao que parece, o que deveria ter sido aproveitado no pacote está suspenso e o que deveria ser barrado está aí em praça prometendo o que não pode cumprir. E, como era promessa sem qualquer fundamento, jamais irá cumprir.

Não é com mágicas populistas que iremos mudar o quadro de violência na sociedade. Não existe mágica. Dessa forma, continuamos metidos num cenário de violência urbana, caos prisional e desilusão.

Enquanto Executivo, Legislativo e Judiciário não resolverem, de forma séria e em conjunto com a sociedade, mudar o quadro de exclusão social, a violência continuará como resultado, independente de quantos pacotes anticrime apareçam. E muitos ainda irão aparecer.

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PS: Nesse tema de promessas, como sou chato, pelo menos cobrando, deixo aqui a lembrança dos tantos empregos que iriam surgir com a retomada econômica após a reforma trabalhista e as melhorias advindas da Reforma Previdenciária. Na verdade, na verdade, nenhuma dessas promessas poderia resultar em algo bom, pois partiam de ideias ruins com objetivos muito questionáveis. Como o pacote Anticrime.

Alex Mourão

Professor universitário, graduado em Filosofia e Direito, mestre e doutorando em políticas públicas.