O veneno escondido nos alimentos
Ao entrar no supermercado a maioria das pessoas não costuma se preocupar a respeito de onde vem o leite que está na caixinha, a carne que está na bandeja de plástico ou as frutas e verduras que estão nas prateleiras. Na teoria, tudo viria da natureza. Mas e na prática, o que estamos consumindo junto com o que era pra ser considerada a parte mais saudável da nossa alimentação?
Neste mês, a Câmara dos Deputados aprovou em caráter de urgência o Projeto de Lei (PL) 6.299/2002, conhecido também como Pacote do Veneno. Se aprovada no Senado, a mudança vai promover danos irreparáveis aos processos de registro, monitoramento e controle de riscos e dos perigos dos agrotóxicos no Brasil.
Cerca de 30% dos agrotóxicos aprovados no Brasil nos últimos cinco anos são proibidos na União Europeia. Em 2015, o glifosato foi considerado cancerígeno pela Agência Internacional de Câncer – mas é usado nas nossas lavouras de soja. Um estudo realizado por pesquisadores da Universidade de Princeton, Fundação Getúlio Vargas (FGV) e Insper, publicado em 2021, revelou uma proporção assustadora. O Produto Interno Bruto (PIB) dos estados que mais usam o glifosato cresceu muito acima da economia do País nas últimas décadas. No entanto, a disseminação do glifosato nas lavouras de soja levou a uma alta de 5% na mortalidade infantil em municípios do Sul e Centro-Oeste que recebem água de regiões sojicultoras
. De acordo com a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), por meio do Grupo de Trabalho Agrotóxicos e Saúde, o Pacote do Veneno vai permitir o registro de produtos mais tóxicos, como os que comprovadamente causam câncer, problemas reprodutivos, distúrbios hormonais e para o nascimento. Por essa razão, o PL não permitirá a aprovação de produtos mais modernos e de menor toxicidade. “Ao contrário, o Brasil será muito mais permissivo para o registro de agentes mais tóxicos e obsoletos, tornando-se mercado preferencial para esses produtos, uma vez que grande parte já foi proibida em outros países exatamente por serem muito tóxicos”, afirma o documento da Fiocruz.
Esse PL retira a função histórica dos Ministérios da Saúde e do Meio Ambiente de regulação dos agrotóxicos e dá ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) maior poder de decisão, facilitando a aprovação dessas substâncias. Além disso, vai promover uma “maior fragilização das ações desempenhadas pelo Sistema Único de Saúde (SUS), especialmente quanto ao monitoramento e vigilância da água, da qualidade dos alimentos e das populações expostas aos agrotóxicos”. Como se não bastasse, ainda será retirado o poder de estados e municípios para legislar de forma mais protetiva, desconsiderando características de cada território, como clima, perfil populacional e estrutura dos serviços de saúde.
Pesquisadores da Fiocruz afirmam que o PL irá impor graves retrocessos à sociedade, ampliando a contaminação ambiental e a exposição humana aos agrotóxicos, o que pode provocar adoecimento e morte da população, em especial dos mais vulneráveis. Parece mentira, mas o texto da lei torna os mais interessados no uso de agrotóxicos os únicos responsáveis pela liberação dessas substâncias. Precisamos criar políticas públicas que beneficiem a agricultura familiar e gerem mais empregos, além de favorecerem a produção descentralizada e a distribuição eficaz de alimentos. Ser a favor do Pacote do Veneno é fortalecer um sistema nocivo e que não se sustenta, além de só contribuir para o lucro de uma minoria.