Racha no CV: guerra contra dissidentes tem homicídios e listas de ‘decretados’
O racha entre membros do Comando Vermelho (CV) no Ceará, noticiado com exclusividade por esta coluna, em 22 de maio último, continua resultando em mais homicídios no Estado. Os dissidentes da facção, que agora se declaram neutros, tentam manter seus territórios em meio à guerra contra os que permaneceram ligados à organização. Estes últimos, por sua vez, continuam divulgando listas de “decretados”, com os nomes daqueles que estão marcados para morrer. E eles têm morrido.
Os assassinatos atribuídos ao conflito se espalham por diversas regiões do Ceará onde há atuação do CV. Em Fortaleza, na Messejana, foram pelo menos três casos nos últimos dias. As mortes foram registradas nas comunidades do São Bernardo, Conquista e Barreirão, que ficam vizinhas ao bairro Parque Iracema. Toda aquela região agora é controlada por dissidentes, com domínio neutro. O CV continua realizando investidas para retomar os territórios.
Além da Capital e de Caucaia, que registraram diversas ocorrências relacionadas ao rompimento, em Reriutaba, a 290 km de Fortaleza, duas pessoas foram mortas, entre os dias 26 e 28 de junho. Salves, como são chamados os informes vindos das facções, orientam aos moradores que evitem sair de casa. Crimes violentos letais são raros naquela pacata cidade, onde também circula uma lista de decretados, levando temor à população.
Com os possíveis locais dos crimes dados, e os nomes dos alvos também, é preciso, então, que os órgãos de inteligência se antecipem, evitando o confronto, prendendo os criminosos e contornando toda essa escalada de violência. A coluna apurou que há um esforço neste sentido.
Raio permanente na PM
Medida acertada a do Governo do Ceará, que incluiu o Comando de Policiamento de Rondas e Ações Intensivas e Ostensivas (CPRaio), de forma permanente, na estrutura organizacional da Polícia Militar. Referência nacional no patrulhamento urbano, com atuação em abordagens, diligências e escolta, o Raio cumpre importante papel na manutenção da segurança pública.
A unidade é especializada no deslocamento rápido, com a utilização de motocicletas. Sua ação é voltada, sobretudo, para combater a chamada “mobilidade do crime”, conceito amplamente defendido pelo competente Aloísio Lira, agente da Polícia Rodoviária Federal (PRF) que esteve à frente da Superintendência de Pesquisa e Estratégia de Segurança Pública (Supesp), da Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS), durante a gestão do delegado federal André Costa.
É que a maioria dos Crimes Violentos contra o Patrimônio (CVPs), como os roubos, são cometidos também com o uso de motocicletas. E em tempos de trânsito intenso e pouca fluidez, principalmente nos horários de pico, o Raio tem se mostrado eficiente.
A estratégia conta ainda com a utilização do Sistema Policial Indicativo de Abordagem (Spia), ferramenta virtual que detecta, por exemplo, placas de veículos roubados, por meio de câmeras de segurança e sensores instalados nas ruas, avenidas e rodovias do Estado. Conforme a SSPDS, um terço das armas de fogo apreendidas no Ceará são recolhidas por policiais do grupamento, além das muitas prisões em flagrante.
Os riscos da expansão
A medida de tornar o batalhão um Comando, porém, tem seus riscos. O Raio foi fundado ainda em 2004, por entusiasmo do então major Márcio Oliveira, que esteve à frente da unidade até recentemente, quando, já coronel, assumiu o Comando-Geral da PM no Ceará. À época, contava apenas com 16 policiais, exímios pilotos de motocicleta, e atuava somente em Fortaleza. Mas foi se expandindo.
A seleção era criteriosa. Lembro que, em 2012, acompanhei uma das “peneiradas” para ingresso no batalhão. Foram muitas manobras e inúmeros tombos. Eu ria, dos tombos e da cobrança do major. Além da queda, o coice. Oliveira era exigente. Só os melhores eram convocados. Daí o risco: com a ampliação para comando, alcançando todo o Estado, é possível que o ingresso no Raio seja “banalizado”.
É preciso, portanto, manter o rigor na seleção. Não só isso, todos os policiais, e não apenas os que integram o CPRaio, precisam de acompanhamento constante, com investimentos em capacitação e doutrina profissional. Na atividade policial, assim como em todas as outras áreas, estamos passíveis de erros. Muitos deles, porém, podem ser evitados com o devido preparo. Foi o que faltou aos PMs em Hidrolândia, no interior do Estado, em 9 de julho último.
Uma criança de 10 anos e dois adultos foram baleados por agentes quando estavam em um carro. Eles sobreviveram. Os policiais haviam sido acionados para atender uma ocorrência de disparos de armas de fogo. Os feridos, contudo, estavam em um campo de futebol soltando “bombinhas” de São João. As vítimas afirmam que não houve abordagem inicial. Os PMs negam. O caso merece rigorosa apuração e punição, caso seja comprovado o erro por parte dos agentes.