Bemdito

Um algoritmo que te julga pelo rosto

Projeto de inteligência artificial modela primeiras impressões com base em características faciais
POR Yanna Guimarães

Quantas vezes você já julgou alguém com base na primeira impressão? Eu me tornei amiga de pessoas que eu imaginava serem bem convencidas e que passados alguns dias de convivência vi que não era nada daquilo que eu pensava. E nas redes sociais, até que ponto você acredita nas imagens das pessoas que segue? Já viu alguma delas pessoalmente pra tirar a prova? No mundo dos filtros, não está sendo fácil discernir o que é real do que é fake. 
Quando duas pessoas se encontram, elas instantaneamente se avaliam, fazendo julgamentos rápidos sobre tudo, desde a idade da outra até sua inteligência ou confiabilidade. Tudo com base apenas na aparência. Essas primeiras impressões, embora muitas vezes imprecisas, podem ser extremamente poderosas, moldando nossos relacionamentos e impactando tudo, desde decisões de contratação até sentenças criminais.

Pesquisadores do Stevens Institute of Technology, em colaboração com a Universidade de Princeton e a Universidade de Chicago, agora ensinam um algoritmo de inteligência artificial (IA) para modelar essas primeiras impressões e prever com precisão como as pessoas serão percebidas com base em uma fotografia de seu rosto. O trabalho foi publicado na edição de 21 de abril do Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS).

O estudo pediu a milhares de pessoas que dessem suas primeiras impressões de mais de mil fotos de rostos geradas por computador, classificadas usando critérios como quão inteligente, elegível, religioso, confiável ou extrovertido o assunto de uma fotografia parecia ser. As respostas foram então usadas para treinar uma rede neural para fazer julgamentos rápidos semelhantes sobre pessoas com base apenas em fotografias de seus rostos.

Muitas das descobertas do algoritmo se alinham com intuições comuns ou suposições culturais: pessoas que sorriem tendem a ser vistas como mais confiáveis, por exemplo, enquanto pessoas com óculos tendem a ser vistas como mais inteligentes. Em outros casos, é um pouco mais difícil entender exatamente por que o algoritmo atribui uma característica específica a uma pessoa.

“O algoritmo não fornece feedback direcionado ou explica por que uma determinada imagem evoca um julgamento específico. Mas, mesmo assim, pode nos ajudar a entender como somos vistos – poderíamos classificar uma série de fotos de acordo com a que faz você parecer mais confiável, por exemplo, permitindo que você faça escolhas sobre como se apresentar”, destaca o pesquisador Jordan W. Suchow. 

Embora originalmente desenvolvido para ajudar pesquisadores psicológicos a gerar imagens de rosto para uso em experimentos de percepção e cognição social, o novo algoritmo pode encontrar usos no mundo real. As pessoas selecionam cuidadosamente sua persona pública, por exemplo, compartilhando apenas as fotos que acham que as fazem parecer mais inteligentes, confiantes ou atraentes, e o algoritmo pode ser usado nesse processo.

Os pesquisadores consideram preocupante que o algoritmo também pode ser usado para manipular fotos, como para fazer um político parecer mais confiável ou fazer com que seu oponente pareça pouco inteligente ou suspeito. Enquanto as ferramentas de IA já estão sendo usadas para criar vídeos “deep fake” mostrando eventos que nunca aconteceram, o novo algoritmo pode alterar sutilmente imagens reais para manipular a opinião do espectador.

Para proteger sua tecnologia, a equipe de pesquisa garantiu uma patente e agora está criando uma startup para licenciar o algoritmo para fins éticos pré-aprovados. “Estamos tomando todas as medidas possíveis para garantir que isso não seja usado para causar danos”, disse Suchow. São muitas as ferramentas para enganar as pessoas. Fico imaginando como nossos bisavós julgariam essas informações. Mas a verdade é que precisamos pesquisar muito, ir atrás de fontes confiáveis e sempre, sempre checar. 

Yanna Guimarães

Jornalista e mestre em Comunicação de Ciência pela Universidade Nova de Lisboa.