Vários clientes transitavam sem máscara; Somente delegada negra é expulsa
Os vídeos das câmeras de vigilância interna apreendidos pela Polícia Civil do Ceará na loja Zara, em Fortaleza, mostrarão vários clientes transitando no interior da loja, sem máscaras. Algumas pessoas, inclusive, se alimentam enquanto escolhem peças de roupas e acessórios. As imagens também revelarão que somente a delegada Ana Paula Barroso, negra, foi expulsa pelo gerente do estabelecimento, que gesticula com “muita ênfase” para que ela deixe o local.
Conforme a descrição obtida pelo Bemdito, ao perceber a presença de Ana Paula, o funcionário da loja se desloca do interior do estabelecimento até a entrada, com o propósito de expulsá-la. A delegada denunciou o caso na Delegacia de Defesa da Mulher (DDM). As informações deverão ser divulgadas, oficialmente, na manhã desta terça-feira, 19, às 10h30min, em coletiva que será realizada pela Polícia Civil.
As imagens analisadas, que compõem o concluso inquérito, foram obtidas após ordem judicial. Durante a apuração, a Polícia Civil requereu acesso aos registros das câmeras de segurança da Zara e do shopping Iguatemi, onde a loja está instalada. O Iguatemi forneceu o material. A Zara, porém, negou.
Somente após autorização judicial para o cumprimento de um mandado de busca e apreensão, o material foi recolhido, em 19 de setembro, cinco dias depois da ocorrência. Foi quando o caso ganhou repercussão, dada a presença dos policiais no shopping para recolher as imagens. Até então, o nome da loja onde o suposto crime ocorreu não havia sido divulgado.
Os detalhes da ocorrência foram publicados pelo Bemdito no dia seguinte ao cumprimento do mandado. De acordo com as informações prestadas no Boletim de Ocorrência, era por volta das 21 horas, do dia 14 de setembro, quando a delegada, que tomava um sorvete, tentou entrar na loja. Após alguns passos, Ana Paula foi abordada pelo gerente do estabelecimento, que teria pedido para que ela se retirasse por uma questão de “determinação de segurança do shopping”.
Ainda segundo o documento, sem entender, a delegada questionou se o motivo seria a máscara baixa, que subiu, cobrindo nariz e boca. O gerente, porém, insistiu. Sem detalhar o motivo de “segurança”, que repetia de forma “exaustiva”, ele não permitiu que ela avançasse. Sem se identificar como delegada, Ana Paula, então, deixou a loja. Conforme o B.O, ela abordou três diferentes seguranças do shopping, relatando o ocorrido. Todos negaram que houvesse a determinação alegada pelo funcionário da loja.
Procurado, o chefe da segurança do Iguatemi naquela noite também negou a determinação, conforme o texto. Ele acompanhou a delegada até a loja e refutou, na frente do gerente, a alegação apresentada pelo funcionário, que pediu desculpas pelo ocorrido. Posteriormente, a defesa da loja alegou que a delegada havia sido expulsa por estar sem máscara no interior do estabelecimento, versão que foi negada por Ana Paula e considerada falsa pelos investigadores.
“Alma lavada”
Na noite de ontem, Bemdito conversou rapidamente com Ana Paula, por meio de mensagens. A delegada afirmou que toda a exposição enfrentada valeu a pena. Ela disse também esperar que o caso sirva de exemplo para outras pessoas, tanto para os que sofrem o racismo, para que denunciem, quanto para os que praticam esse tipo de crime.
“Estou de alma lavada porque a verdade prevaleceu. E, de alguma forma, penso que algumas pessoas podem buscar acreditar em si e trilhar seus caminhos com vistas a buscar a responsabilidade dessas pessoas racistas que ainda tentam negar os fatos”, contou, aliviada. Ana Paula é diretora-adjunta do Departamento de Proteção aos Grupos Vulneráveis (DPGV) da Polícia Civil.