Militância virtual, luta política e vida real
Cumpro, atualmente, o primeiro ano do meu quinto mandato como vereador de Fortaleza. Nesses quase 17 anos de vida pública, e nos anos anteriores de militância social, acompanhei e protagonizei a transição de diferentes formas de expressão da comunicação e da luta política, em diferentes posições. Fui líder do governo durante a gestão petista, líder da bancada do PT, líder de oposição e exerci cargo executivo ao dirigir a Secretaria da Cultura do Estado, no início do Governo Camilo.
Da minha primeira campanha, em 2004, panfletando nas esquinas, reunindo nos bairros, e sem os recursos das redes sociais, até o momento atual – quando o meio virtual se tornou o locus dominante de profusão do debate público -, acompanhei mudanças radicais na comunicação e na organização da luta política.
Vindos de um período em que predominava a presença física, o contato direto, o diálogo “olho no olho”, a sinergia, os conflitos e limites do debate sem mediação de plataformas e microfones desligados, transitamos, todos nós, militantes políticos, para um tempo de múltiplas presenças, em múltiplos espaços simultâneos.
Um dos fenômenos recentes é o rápido acesso à informação, esta que não mais se constitui objeto de apropriação e construção dialética entre os sujeitos. Agora, é mediada e consumida por milhares de olhares disponíveis de forma automática – e majoritariamente superficial -, com inúmeros recursos e filtros à nossa disposição. Tudo isso agudizou-se em tempos de pandemia.
Continuo participando intensa e cotidianamente de momentos de debate político dos mais diversos tipos, nos bairros, movimentos e coletivos, presenciais e virtuais. Sou adepto das novas tecnologias de comunicação, imprescindíveis que são, atualmente, em todas as dimensões. Entretanto, cada vez mais, considero fundamental refletirmos sobre as formas pelas quais promovemos o debate e organizamos as lutas políticas atualmente, e seus efeitos concretos para as transformações que almejamos.
Chama a minha atenção, por exemplo, quando participo de um primeiro encontro com pessoas mobilizadas em torno de uma determinada causa, o fato de que a primeira ideia a surgir seja: “vamos fazer um vídeo para a Internet”? Como se um TikTok tivesse o condão de transformar a estrutura social.
Antes mesmo de se conhecerem, de aprofundarem um pouco mais a compreensão sobre a razão pela qual estão juntas, de alinharem mais profundamente suas premissas para além de uma causa mais geral que as unifica, de viverem os conflitos que surgem nessa “hora da verdade”, de pactuarem uma estratégia, vem o salvador vídeo na Internet que contempla a todos em sua ânsia de expressão, exposição e, por que não dizer, de satisfação de si próprias. Em que medida isso é suficiente?
Luta real x luta virtual
A mim, parece claro que o espaço virtual não traduz a vida real. Aliás, basta acessar nossos belos perfis de Instagram para compreendermos isso. Da mesma forma, a luta virtual não sintetiza e muitas vezes nem traduz a luta real. Mais que isso, há aqui incluído o risco do ativismo virtual mascarar sutilmente uma ausência de lutas reais. Não que elas não persistam. Enquanto houver quaisquer formas de opressão, elas sempre resistirão. Sempre existiram e somos suas crias. Mas é fundamental discernirmos os limites entre a atividade frenética nas redes e a capacidade real de comunicação e organização das lutas populares.
Não nos esqueçamos que todas essas plataformas onde desfilamos nossos discursos, “memes lacradores” e denúncias são produtos empresariais meticulosamente desenvolvidos para gerar lucro, carecendo para isso de estratégias geradoras de adesão acrítica, capazes de gerar likes e seguidores, o chamado engajamento. Para se autorreproduzir, esses canais precisam criar continuamente necessidades e novos “produtos”, inclusive informacionais, para atendê-los.
Lembremos que essa base de difusão de informação que estrutura o funcionamento e o sistema de recompensas das redes vale para quem vende beleza e juventude, bananas ou bitcoins, para quem produz fake news e para nós. Daí para nos encalacrarmos numa espiral, que, ao parecer engajar, desengaja na luta, não me parece difícil. Lembremos ainda que uma forma de estar em nada é parecer estar em tudo – uma outra forma de alienação, que também nos impulsiona a adicionarmos “seguidores”, escolhidos pelas plataformas ao bel-prazer de algoritmos que desconhecemos.
Com esse argumento, não me inscrevo entre os críticos radicais dos recursos que a tecnologia da comunicação nos proporciona. Uso e continuarei usando todos eles para exercer minha militância. Porém, penso que não podemos fazê-lo de modo acrítico. Sobretudo, não podemos confundir popularidade de conteúdo nas redes com adesão popular à luta política, com luta real.
Essa é uma atitude que exige algo mais do que likes em um textão como este. Requer presença, interação, envolvimento, escuta, vivência dos conflitos, pactuação, organização, ação concreta, luta, paciência, tempo… Nem sempre compatível com o tempo real (ou virtual?) das timelines. Para tanto, a interação virtual pode ser um bom começo, e um fantástico e insubstituível recurso de comunicação. Mas, talvez, apenas isso.