Você vai casar com um homem de fora e ter cinco filhos
Sempre tive uma medonha obsessão por antever os próximos movimentos da humanidade. Às vezes acerto, na maioria, não. Foco sempre em grandes acontecimentos: “Juliana, você vai ver. Anote. No futuro, a gente vai estudar em escolas compostas por pessoas totalmente iguais”. Tem hora que me convenço que minha carreira de Mãe Dinah do Papicu está fadada ao fracasso e, em outras, me sinto a Nostradama. Acontece que a minha relação com o tema começou cedo. Não como adivinhadora, mas como adivinhante.
Eu devia ter uns 14 anos, e a gente juntava o dinheiro da mesada pra pagar uma senhora que adivinhava nosso futuro com detalhes. Não preciso nem dizer que esse dinheiro teria rendido muito mais guardado na poupança a 1,5% ao ano, claro. Mas como era bom ouvir que a gente ia embora pra outro país.
Desconfio que, antes de a gente chegar na sala da casa dela, a mulher passava uma meia hora folheando e lambendo o indicador, tentando memorizar os melhores momentos de uns romances da banca de revistas.
Então, eu entrava, cambaleante de nervoso, esperando que ela descortinasse nossos próximos anos, até que começasse a enumerar acontecimento por acontecimento futuro, em ordem cronológica. Um pot-pourri de Sabrina e da criativa mente dela, onde a gente sofria e triunfava por antecedência, com os olhos duros nas mãos e na boca daquela criatura.
As semanas seguintes eram compostas por muitos encontros no banheiro do colégio para tentar associar alguns acontecimentos à narrativa da vidente.
– Mulher, será que é ele então o homem de fora que eu vou casar? Ela disse que ele era bonito, alto, de fora, mulher. Disse que ele vinha de longe.
– Mulher, ele é de Quixadá.
E tome a gente a discutir se Quixadá era considerado longe, e se a pessoa vir do sertão central era considerado “de fora”.
O fato é que a vidente tinha sempre um enredo fenomenal para alimentarmos nossas fantasias, na época focadas nos quesitos de sucesso que rondavam o Meireles da década de 90: casar, ter uns filhos, viver felizes para sempre. Não sei, hoje aos 40, por onde começar a me explicar o tamanho desse absurdo. Me abstenho.
Depois de 26 anos, a gente continua sonhando que alguém consiga mostrar nem que seja em um VHS velho um clipe do futuro. O filme passando, e a gente se procurando na tela: “será que essa véa aí tão triste sou eu?” Como se saber pelo menos a sinopse vá nos dar algum tipo de garantia, uma mistura de segurança com potência. “Se eu sei o que vai acontecer, posso pelo menos me preparar”. Pode não, minha consagrada.
O jeito que tem é se conformar. E me pergunto também, caso essa fosse uma possibilidade, se eu quereria ver o clipe do futuro. De que parte? Que futuro? Que intervalo de tempo? Sob qual ótica? Em qual parte do planeta? Com áudio ou sem? Sem falar no risco de o clipe do futuro parecer com uma dancinha frenética de movimentos repetidos feito Tik Tok. Dá não.
Pause aí, minha senhora, pause. Caminhar no escuro é melhor.