Holofotes ao voto impresso ofuscam novo capítulo da reforma trabalhista
À sombra da rejeição da PEC do voto impresso pela Câmara Dos Deputados, foi aprovado, no dia 12 de agosto, o texto substitutivo da Medida Provisória 1045 de 2021, que recria o Programa Emergencial do Emprego e da Renda (Proner). Trata-se de uma versão requentada do antigo Contrato Verde e Amarelo, com novos temperos, que incluem um aprofundamento dos capítulos da Reforma Trabalhista.
Parece um déjà vu, e ele nos leva a 2016. Nas vésperas do primeiro Natal após posse do Temer, foi apresentado um projeto de lei com a proposta de alteração de nove artigos da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Em 12 de abril de 2017, esse projeto ganhou um puxadinho e se transformou em uma proposta de reforma profunda com modificação de mais de 200 dispositivos da lei trabalhista.
O projeto seguiu em um trâmite legislativo voraz, sem brechas para diálogo social. Em 26 de abril daquele ano, veio a aprovação na Câmara. Menos de dois meses depois, aprovação no Senado. Sanção sem vetos pelo Presidente Temer, em 13 de junho do mesmo ano. É desse parto prematuro que nasce a nossa última Reforma Trabalhista, apresentada ao país como um rebento que geraria empregos e salvaria a economia.
Quatro anos depois dessa Reforma, um novo capítulo se apresenta, repetindo a mesma forma escamoteada, sem a devida atenção da mídia e da sociedade. A porta de entrada é a crise sanitária da pandemia, mais precisamente através da Medida Provisória 1045, publicada em abril deste ano, retomando o Benefício Emergencial (BEm) a trabalhadores com contrato suspenso ou jornada reduzida.
Na versão aprovada pela Câmara dos Deputados, o texto aprovado inclui modificações permanentes na legislação, que nem estavam previstas na redação original e sequer guardam relação com situações emergenciais da pandemia. Não interessa aqui saber se devemos qualificá-la como uma Reforma, mas perceber que ela segue a mesma tendência de modificação de leis trabalhistas, através de enxertos, utilizando-se de um momento pontual de crise para promover a erosão permanente de direitos protetivos aos trabalhadores.
O projeto traz o Programa Primeira Oportunidade e Reinserção no Emprego (Priori), que, em nome da pandemia, visa a facilitar o primeiro emprego a jovens com idade entre 18 e 29 anos e a recolocação no mercado de adultos com 55 anos ou mais que não tenham vínculo formal há mais de um ano. Nesse caso, permite um contrato por prazo determinado de até 24 meses, limitado a um contingente máximo de contratos por empresa, com regras de proteção mais precárias, como a alíquota de depósito do FGTS reduzida, além de condições contratuais mais flexíveis, semelhante ao antigo Contrato Verde e Amarelo.
O segundo programa previsto é o Regime Especial de Trabalho Incentivado, Qualificação de Inclusão Produtiva (Requip), que se apresenta como garantia de qualificação profissional e inclusão produtiva ao jovem. Participando do Requip, o trabalhador receberá o Bônus de Inclusão Produtiva (BIP) e a Bolsa de Incentivo à Qualificação (BIQ).
A empresa poderá contratar o jovem do Requip, sem vínculo empregatício, de modo que metade das horas trabalhadas será remunerada pelo BIP e metade, pela empresa. Por exemplo, em uma jornada de 22 horas semanais, o jovem receberá R$ 550,00 mensais, na soma entre BIP e BIQ, e a empresa ( conhecida como ofertante) arcará com metade desse valor.
Os programas tentam responder a uma taxa de desocupação que atinge principalmente os jovens e ficou agravada durante a pandemia. No quarto trimestre de 2020, por exemplo, a taxa de desemprego era de 29,8% entre jovens de 18 a 24 anos (entre os adultos, a taxa era de 10,5%), conforme dados do Dieese.
No entanto, observa-se que o jovem já ingressa no mercado de trabalho com as lentes da precariedade contratual e normalização da premissa de que a redução de direitos e flexibilização são soluções para o problema do desemprego e estruturação positiva do país. Os quatro anos da Reforma Trabalhista de 2017, que carregava a mesma bandeira, são exemplos disso.
O texto aprovado pela Câmara é também continuidade dessa Reforma. Recorre-se à prática dos chamados “jabutis”, que é a incorporação à medida provisória de temas que não tenham nenhuma correlação com ela. Temas como jornadas de trabalho, fiscalização do trabalho, justiça gratuita na Justiça do Trabalho, natureza salarial de prêmios, regras sobre questão sindical tomaram corpo nesse novo puxadinho.
O Supremo Tribunal Federal já decidiu que a inserção de matérias estranhas durante o processo legislativo é incompatível com a celeridade do procedimento das medidas provisórias e os respectivos projetos de lei de conversão.
O projeto aprovado prevê também um programa de serviço social “voluntário”, a ser ofertado pelas Prefeituras, sem vínculo empregatício formal. Terá a remuneração de um valor máximo de R$ 240 para uma jornada de até 48 horas mensais, o que soa como um Frankenstein jurídico, que fere claramente os princípios que garantem a impessoalidade administrativa.
A retórica é a mesma: barateamento de mão de obra em nome da empregabilidade e retomada da economia. Apela-se ainda para o argumento de antiguidade da legislação trabalhista, como se o texto original da década de quarenta fosse o mesmo e não tivesse passado por tantas alterações. Em razão da última Reforma Trabalhista, o Brasil foi visto negativamente na Organização Internacional do Trabalho (OIT) pela falta de diálogo social como instrumento de governabilidade democrática. O projeto aprovado pela Câmara segue ao Senado e não pode seguir à sombra dos holofotes do debate social sobre o voto impresso.
Viver em estado constante de crise mantém os sentidos vigilantes e alertas, sobretudo na aceleração do tempo jurídico através de transformação e alteração de legislação em nome da urgência. Há quem desconsidere a importância da democracia laboral. Há quem defenda que falar de direitos trabalhistas é uma pauta anacrônica. É curioso ouvir isso, vendo tanques de guerras envelhecidos desfilando nas ruas de Brasília, enquanto o país discute o voto com papel e caneta.