Passou da hora de fazer aquela faxina online
Você já deve ter ouvido alguém do seu círculo de amigos dizer para abandonar as redes sociais. Dezenas de notícias e estudos mostraram como as grandes plataformas digitais fazem muito pouco ou quase nada para barrar discursos de ódio, mentiras e manipulação informativa. Algumas mídias sociais não fazem mal só pelo conteúdo distribuído, mas afetam a saúde mental e emocional de adolescentes que não conseguem acompanhar os modelos de beleza idealizados, por exemplo; ou aos batalhadores da vida diária que não chegam nem perto do sucesso e do glamour que elas nos jogam na cara a toda hora.
Talvez você já tenha, inclusive, considerado excluir contas em algumas dessas redes, ou até apertado o DELETE com força. Você é quem sabe até onde vai sua paciência, entusiasmo, envolvimento ou estômago. Você é quem decide se fica, se vai, se reduz sua presença por lá ou se para de ler este texto agora mesmo.
Mas antes de interromper a leitura, considere que tempo e atenção são os bens mais preciosos e disputados do mundo no momento. Isso mesmo. Tempo é uma dimensão da vida que os humanos insistem em medir e reter. Por isso, inventamos relógios, calendários, ciclos, apps… Ninguém escapa ao tempo e ele age sobre todos de forma implacável. Como é um ativo finito, é também escasso, e sua raridade lhe confere valor. Não é, portanto, um exagero dizer que tempo é dinheiro.
A atenção, por sua vez, não é uma força da natureza, e não se move sozinha, a despeito das pessoas e de suas vontades. A atenção é, portanto, administrável. Depende de direcionamento, de um impulso, de desejo. Decidimos dar atenção a alguma tarefa ou pessoa, e também decidimos ignorar alguém ou algo.
Embora de naturezas distintas, tempo e atenção estão conectados, pois desencadeiam passagens, movimentos, posicionamentos, adesões e deslocamentos. Quando você dá atenção a um problema, você dedica tempo a ele, seja se lamentando ou buscando uma solução. Você sabe que não pode dar atenção a tudo. O tempo é limitado. Então, instintiva ou racionalmente, você faz cálculos de custo-benefício e de capacidade de enfrentamento e resolução. A partir do que imagina serem os resultados, você escolhe se vai se dedicar àquilo ou seguir para o próximo problema da fila.
Dito tudo isso, ainda espero que você esteja por aqui, lendo o texto. Isto é, que ainda esteja me dando a sua atenção, um pouquinho do seu tempo. Escrevi um punhado de palavras que só reforçam o que você já sabe, e fiz isso porque é muito importante que não se esqueça desses pequenos-grandes poderes que tem: o de escolher a quem dar atenção, o de decidir em que usar o tempo.
Pode ser atenção completa – com alta concentração dos seus sentidos numa única direção – ou apenas uma atençãozinha – enquanto você navega nas suas redes sociais, por exemplo. Mas dar atenção é sinal de disponibilidade, de ligeira confiança, de que vale a pena perder tempo com algum tema ou pessoa.
As grandes plataformas digitais já perceberam que o combustível de seu sucesso é a atenção que os usuários dispensam aos conteúdos ali espalhados. Já há até especialistas em “economia da atenção”, que apontam como funcionam os nossos cérebros e emoções, e como manipulá-los da maneira mais eficiente para drenar o máximo de atenção com o mínimo de dispêndio de energia e recursos. Não é à toa que as redes sociais são moldadas para serem ambientes agradáveis e acolhedores, que são não apenas convidativos e atraentes, mas lugares onde queremos ficar mais e mais horas. Uma estratégia para manter a nossa atenção é trazer para mais perto nossos amigos ou pessoas que admiramos, é fazer circular conteúdos com os quais concordamos ou que nos interessam, é dotar aquele ambiente das condições mais propícias para permanecermos mais tempo por lá.
Um dos resultados é transformar nossa rede social numa câmara de eco, que só reverbera o que queremos ouvir ou saber; outro resultado é nos iludir que o mundo e a vida só funcionam conforme nossas ideologias ou crenças; e um outro é nos tornar intolerante a quem pensa diferente e parece distante do que entendemos por realidade.
A equação é perversa: fazem de tudo para que você fique nas redes sociais, te isolam das diferenças e contradições humanas, e sugam seu tempo e atenção.
Por outro lado, quem pode hoje se dar ao luxo de se isolar digitalmente? Quem pode ficar de fora de redes sociais ou ter sua vida correndo ao largo das plataformas? Só alguns bem-aventurados, privilegiados ou desgraçadamente desconectados (sim, há bilhões de pessoas no planeta sem internet!).
Para nós que estamos conectados, sobra o quê? Resta ser consciente do poder dessas plataformas, estar continuamente informado sobre as muitas formas de manipulação de consciência a que estamos submetidos, e espalhar essa desconfiança toda. Resta também revisar a nossa presença na internet e avaliar se vale mesmo a pena estar em algumas redes. Não chega a ser um detox completo, mas é uma faxina bem-vinda que vai inevitavelmente consumir algum tempo, mas também vai te brindar com alguma tranquilidade e leveza no final.
Você pode fazer esta faxina levando em consideração alguns critérios: mais ou menos amigos/seguidores; tempo que gasta diariamente nela; interesses e objetivos pessoais; postura política e preocupação social das empresas donas dessas redes; efeitos que você percebe no seu humor e ânimo após navegar por lá…
E já que você vai fazer esta faxina, aproveite o tempo para deixar de seguir quem não merece a sua atenção, quem não oferece conhecimento, alegria e satisfação a você nas postagens, quem não te ajuda a ser alguém melhor, quem não é melhor em algo que você. Não, eu não sou a Marie Kondo das redes sociais. Você não precisa apenas buscar felicidade por lá. Mas também não dê holofote a facínoras, a fanáticos ou idiotas. Mesmo que tenham fama e celebridade, mesmo que ocupem cargos e funções públicas. Há muito influenciador que não merece nem um segundo do seu tempo, o que dirá a sua atenção e energia.
O sujeito que vomita besteiras e defende o partido nazista; o sabe-tudo que tem opinião para os assuntos mais complexos e mal sabe conjugar duas ideias na mesma frase; o imbecil que se vangloria da própria ignorância e baixeza; a poser que é conhecida por suas gafes. Todos eles berram alto para atrair a sua atenção, disputam entre si e rebaixam cada vez mais os limites da civilidade e da dignidade humana. Pense um pouquinho: você precisa mesmo disso? Ah, você tem medo de ficar por fora, de não entender o último meme, de perder a treta do momento… não se preocupe: esse chorume vai chegar até você. Outros se encarregarão de fazer esse serviço sujo. Você não precisa nem passar vergonha nem ajudar essa fauna abjeta na cacofonia que é a internet.
Quando você dá seu tempo ou atenção a eles, você perde tempo e deixa de ficar atento ao que realmente pode ser mais importante e urgente. Nas redes sociais, tempo e atenção são formas bem combinadas de remuneração. Por isso, se você volta sua cabeça para essa fauna, você a está premiando. E se você retuíta, curte, reage, compartilha ou leva isso adiante em suas redes, também trabalha para que esse esgoto se amplie.
Você é livre para trabalhar de graça para eles, mas também pode se recusar a fazê-lo. Use seus pequenos-grandes poderes para fazer o que conscientemente acredita. Concentre sua atenção no que interessa, no que te move pra frente, naquilo que melhora o seu dia e a sua vizinhança. Não se distraia. Mantenha o foco. Não bata palmas pra maluco dançar. Gaste o tempo com algo que alimente seus sonhos e que fortaleça seu espírito para as batalhas do dia-a-dia. Retome as rédeas do seu tempo e restaure a sua energia vital.
PS: obrigado pela atenção na leitura deste texto. Só compartilhe se achar que vale a pena.