Mulheres, sorriam e acenem
Em almoço com empresárias, Bolsonaro evidencia a função limitada e superficial que espera das mulheres em seu governo
Monalisa Soares
monalisaslopes@gmail.com
Na última semana, entre esforços de aproximação com setores da economia, ocorreu um almoço entre Bolsonaro e um grupo de mulheres empresárias e representantes de empresas. De acordo com a organizadora, Karim Miskulin (Grupo Voto), a intenção do encontro era dar visibilidade às mulheres ocupantes de postos representativos de organizações econômicas, considerando a falta de menção à participação de mulheres nos encontros do presidente com empresários noticiados na imprensa.
Destacamos que a reunião do presidente com representantes de mulheres de quaisquer setores da sociedade converge em uma tentativa de produzir um efeito positivo na sua imagem pública. Isso ocorre, como sabemos, em virtude do rol de comentários machistas que Bolsonaro coleciona em sua trajetória política.
Jairo Nicolau afirma que o recorte de gênero é uma particularidade do pleito de 2018. Segundo o cientista político, ao contrário de todas as disputas presidenciais desde 1989, a que consagrou a vitória do atual presidente foi marcada pela “assimetria nos votos de homens e mulheres”, tendo sido a votação de Bolsonaro, em ambos os turnos, caracterizada pelo amplo apoio masculino. Tal situação se repete atualmente nas pesquisas de opinião pública: os homens seguem entre os que mais apoiam o governo, como mostra a mais recente pesquisa Datapoder.
A mobilização do #ELENÃO, que marcou a eleição de 2018, foi uma reação das mulheres ao histórico sexista de declarações do então candidato. No segundo turno da disputa, a própria campanha de Bolsonaro, buscando reagir à narrativa do movimento, realizou programa eleitoral dedicado às mulheres no qual era apresentado como pai e marido amoroso, além de político que não fazia distinção de gênero entre aliados(as). Como exemplo, o programa argumentou que ao seu lado estavam as mulheres mais bem votadas do País (Joyce Hasselmann e Janaina Paschoal).
A busca por desconstruir a ideia de um presidente machista também perpassou o discurso da organizadora do encontro. Quando questionada sobre o encontro, Karim Miskulin relatou a “humildade com que o presidente tratou as convidadas” e afirmou que foi uma oportunidade de que “elas possam ver que o presidente não só não tem nada contra, como tem tudo a favor das mulheres. Ele vê de uma maneira igual as mulheres e os homens”. Marly Parra (iHub Investimentos), outra participante, afirmou: “Eu acho importantíssimo esse diálogo com o governo federal, com os ministros, sobre a pauta de mulheres. Quanto mais a desigualdade aumenta no Brasil, nós precisamos trabalhar”.
Quando lemos as matérias que circularam na imprensa sobre o encontro, no entanto, fica patente que o presidente e seu governo não se preocupam efetivamente com pautas que favoreçam as mulheres. Apesar de ter sido um evento privado, o que circulou em referência ao discurso de Bolsonaro não fazia nenhuma menção às mulheres e sua participação na economia e/ou na política. O que vemos: apenas as já conhecidas críticas ao Supremo Tribunal Federal e aos governadores na infindável e fatídica disputa em torno da gestão da pandemia.
Quando tratamos de um encontro entre mulheres representantes de setores econômicos e o presidente para discutir os impactos da pandemia, chama-nos atenção que nenhum discurso tenha indicado que as mulheres foram as mais afetadas economicamente com a pandemia.
Dados do IBGE indicam que 8,6 milhões de mulheres ficaram fora do mercado de trabalho em virtude da pandemia, além da ampliação da distância salarial entre homens e mulheres. Evidenciando, assim, o efeito perverso que a crise sanitária teve no aprofundamento das desigualdades de gênero previamente existentes.
No aspecto da desigualdade salarial, é relevante destacarmos que recentemente foi aprovado no Senado Federal o PLC 130/2011, que estabelece multa para empresas que pagarem salários diferenciados a homens e mulheres que desempenharem as mesmas funções. Ao ser encaminhado para sanção presidencial, Bolsonaro afirmou em live que tinha dúvidas sobre se sancionaria ou não o projeto de lei. Entre os argumentos para o veto afirmou que a multa tornaria impossível a empregabilidade das mulheres, pois as empresas poderiam preferir não empregar mulheres diante da nova legislação.
O “impasse” da sanção não perdurou, pois o projeto retornou para a Câmara dos Deputados a pedido do legislativo. A bancada feminina reagiu ao retorno especulando sobre possível manobra, fruto de acordo entre a presidência da república e atores da Casa Legislativa, com vistas a distensionar a pressão sobre o veto de Bolsonaro.
Não faltam exemplos do descaso do governo federal com a efetivação de direitos das mulheres. Geórgia Oliveira aqui no Bemdito nos lembrou, em uma de suas colunas, como o Ministério que carrega o signo “Mulher” atua para esvaziar os direitos historicamente conquistados pelas mulheres. O episódio do PLC 130/2011 é mais um que se alinha às diretrizes do governo em relação ao tema. Surpresa seria se fizesse o oposto e sancionasse a legislação.
Nesse sentido, o almoço com as empresárias representou bem o caráter do governo Bolsonaro quando o tema é gênero e a demanda das mulheres. Além da ausência das duas ministras mais importantes do governo (Damares Alves e Tereza Cristina), como apontado, houve um vazio no discurso presidencial no tratamento das questões referentes às mulheres na economia. Do almoço de Bolsonaro com as mulheres, a publicidade governamental destacou apenas a cênica da superficialidade. Como se às mulheres coubesse apenas posar para fotos e abrir sorrisos, cumprindo sua função de adornos, não importa a posição social, política e econômica que ocupem.
Monalisa Soares é professora da Universidade Federal do Ceará (UFC) e pesquisadora do Laboratório de Estudos sobre Política, Eleições e Mídia (LEPEM) com ênfase em campanhas eleitorais, gênero e análise de conjuntura. Está no Instagram.