Bemdito

Pequeno dicionário masculino para mulheres

Uma reunião didática e bem-humorada de verbetes, considerados de utilidade pública, do vocabulário masculino
POR Paula Brandão
Self-Portrait in a Circle of Friends (Peter Paul Rubens)

Uma reunião didática, orientativa e bem-humorada de verbetes, considerados de utilidade pública, do vocabulário masculino

Paula Brandão
paulafbam@gmail.com

Broderagem. A palavra remete à cumplicidade entre homens; comportamento coletivo que evidencia determinados prazeres masculinos; pode ser ainda fazer bullying com o rapaz diferente do grupo; ou reforçar determinados papéis sexuais, como a objetificação das mulheres; atribuir notas a elas nos grupos de WhatsApp; fazer sexo com outro brother, entre outros. Talvez, seja uma manifestação viril masculina que busca semelhança com a sororidade praticada entre mulheres. Exemplo: vimos recentemente um jovem artista, casado há 15 dias, que teria pago uma garota de programa para transar com ele e seu amigo, andares abaixo do quarto em que sua esposa estava hospedada. Infelizmente, acabou com a morte do jovem, ao tentar passar de um apartamento para outro, para fugir do flagrante da esposa. Virou meme nas redes a fala dela de que homem casado não devia andar com solteiros, ou seja, a broderagem precisa acabar para os comprometidos. Como dicionarista, advirto: não acaba!

Cerveja artesanal. Substantivo que precisa de uma história para ser explicado. O homem não conhece os rótulos dos vinhos bons, a não ser pelo menu dos preços, sendo o melhor aquele que ele pode pagar uma boa grana para impressionar. Contudo, para não ficar muito ultrapassado pelo jovem rapaz que começa a degustar vinhos, bochechando, sua especialidade passou a ser as cervejas artesanais:  harmonizações, temperatura ideal, lupulagem, leveduras e aromas. Para manter aberto o “clube do bolinha” que tem desde menino, resolveu fazer um curso de mestre cervejeiro com os amigos. Agora, sim, podem passar um dia inteiro, em grupo, expressando os acordes do lúpulo e os tons do malte da cerveja, sem falar um minuto sobre si mesmos e seus pensamentos mais íntimos.

Ciclismo. Esporte excelente para o homem reviver a lógica do brinquedinho externo, que sempre precisa de um item a mais, e encher a casa de tralha. Depois dos 40, vai colocar o suporte no carro e levar a bicicleta pra todo canto, mesmo que passe um mês sem usá-la. Não basta ter, é preciso exibir. Isso vale para o pranchão de longboard, e toda forma de mostrar que esse macho tá em forma.

Chifre. É algo que alguém coloca na cabeça dos outros. O poeta já dizia: se for da high society, leva e nem ciúme tem. O cearense trata o chifre igual os idosos falam da velhice: sempre o velho é o outro. (Mas não é não!).

Churrasco. Habilidade masculina de mostrar os dotes culinários sem colocar em risco a sua masculinidade. Expressão da sua competência para alimentar grande quantidade de humanos, na área externa da casa ou na varanda gourmet, nunca na cozinha. Oportunidade sine qua non de esboçar sua natureza de superioridade aos demais animais, escolhendo pedaços de carne fartos, bem ensanguentados, passando o sal grosso e avaliando o ponto da carne. O ponto é quando a foto ficar bonita para enviar no grupo do trabalho.

DR. Os homens não conseguem entender para quê conversar sobre coisas que eles nunca vão mudar. É aquela conversa que ele acha “sem futuro”, para a qual faz a mesma cara de criança de quando era pego por um adulto arrancando rabo de calango ou cortando os pelos do gato. Ah, e finge que não é com ele aquela conversa toda da mulher. 

Guarda Compartilhada. Esse é um termo em construção. Para muitos, é também complementar ao “filho mochilinha”. Aquela paternidade exercida plenamente aos finais de semana, para ser um amigão do(a) filho(a), fazendo parte da sua vida (in)essencial. Afinal, o que seria desse pequeno indivíduo se não fosse o trabalho de sua mãe de segunda à sexta, levando e pegando na escola, ao curso de inglês, futebol, balé etc.?

Infidelidade. É relativa se for ele o infiel. Isso é coisa da cabeça da mulher. Ver o verbete chifre.

Macho. Tem as variações. Os mais novos, por exemplo, usam “má”: “ei, máaa!”. É mais ou menos como as Kardashians, quando chamam as coleguinhas de “amiga” e “vaca”, sendo a primeira aquela que não tem muita intimidade, e a última, a melhor amiga. O macho, ele tem atributos de virilidade, autonomia, cabra da peste, nordestino aguerrido.

Piti. É um comportamento tipicamente feminino, que ocorre quando o homem já passou de todos os limites imagináveis, e a mulher resolveu descer do salto, meter o grito, explodir e desabafar que não aguenta mais. Já foi chamada de doença dos nervos. Se chegam a ir aos hospitais, são sempre medicalizadas em excesso, ao contrário dos homens, que nem chegam. No caminho, já se distraem, lembrando que precisam encher o pneu da bicicleta.

Professor. É qualquer cara que está com um apito na mão, no treino de futebol do fim de semana.

Como esse dicionário é parcial e fictício, e não obedece normas, a não ser a ordem alfabética, corre sério risco de que sejam acrescentados novos verbetes futuramente. Existem várias maneiras de dizer algo, de dar uma notícia, de trazer questões importantes a um(a) leitor(a), mas fiz uma escolha, fiando-me em Isabel Allende, que afirma: “Optei pelo humor, porque percebi que as ideias mais atrevidas se tornam aceitáveis quando provocam um sorriso.”

Paula Brandão é professora da UECE, doutora em sociologia e pesquisadora na área de gênero, gerações e sexualidades. Está no Instagram.

Paula Brandão

Doutora em Sociologia pela UFC, e professora do curso de Serviço Social (Uece). É pesquisadora na área de gêneros, gerações e sexualidades. Membro do Laboratório de Direitos Humanos e Cidadania (Labvida) e integra o Núcleo de Acolhimento Humanizado às Mulheres em Situação de Violência (NAH).