Bemdito

A igualdade estampada no asfalto

Bandeiras LGBTQIA+ estampam faixas de pedestres de Fortaleza. O que a ação da prefeitura municipal revela sobre símbolos, ocupação da cidade e lutas coletivas?
POR Juliana Diniz

Bandeiras LGBTQIA+ estampam faixas de pedestres de Fortaleza. O que a ação da prefeitura municipal revela sobre símbolos, ocupação da cidade e lutas coletivas?

Juliana Diniz
julianacdcampos@gmail.com

A cidade de Fortaleza amanhece na quarta-feira, 28, com novas faixas de pedestres pintadas nas cores do arco-íris. “Pare, pense e passe com amor” é como se chama a ação desenvolvida pelo gabinete da Primeira-dama Natália Herculano e a Autarquia Municipal de Trânsito e Cidadania (AMC), em parceria com o grupo “Mães pela Diversidade” e a empresa T-Shirt in Box.

A primeira-dama reconhece que o simbolismo da ação é importante em uma cidade que ainda conta com índices muito altos de violência contra a população LGBTQIA+.  Segundo dossiê publicado pela Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA), em janeiro de 2021, o Ceará só perde para São Paulo em número de assassinatos de pessoas trans e travestis no Brasil no ano de 2020.

Para ela, as intervenções são “medida séria e, ao mesmo tempo, muito leve”, que podem despertar empatia, sem custo para a prefeitura: “é um tempo difícil, em que tudo está meio cinza, o colorido coube muito bem”.

A iniciativa da Prefeitura Municipal de Fortaleza se soma às intervenções promovidas por Ivo Gomes, prefeito de Sobral, e inauguradas no último dia 21 de abril na cidade do interior do estado. 

As faixas coloridas de Gomes despertaram reações inusitadas: um homem se dispôs a vandalizar a intervenção tentando afixar uma placa de sinalização de animais silvestres no cruzamento. A hostilidade rendeu reações da OAB e da Secretaria Estadual de Proteção Social, Justiça, Cidadania, Mulheres e Direitos Humanos. Segundo o jornal O Povo, o responsável pelo ato de vandalismo é Kawan Miranda, assessor parlamentar do deputado estadual André Fernandes (Republicanos).

Em Fortaleza, as intervenções colorem o cruzamento da Avenida Beira-Mar com rua José Napoleão; a rua Paulino Nogueira, esquina com rua Marechal Deodoro e a Rua Barbosa de Freitas, esquina com Rua Maria Tomásia. Houve um cuidado especial com o atendimento às especificações técnicas da sinalização horizontal, o que deve evitar as críticas recebidas por Gomes sobre o modo como foram coloridas as faixas sobralenses. 

A pintura da bandeira do movimento LGBTQIA+ nas faixas de pedestres pelo mundo manifesta um simbolismo importante: é uma forma de reconhecer o espaço da cidade como território em disputa. Os signos da linguagem espalhados pelos muros, no asfalto, em espaços de publicidade, nos recantos mais inimagináveis, gritam ou sussurram discursos. Queixa, crítica, autoafirmação, desejos, planos. Um leque de cores pode ser a expressão do desejo de presença e da demanda por reconhecimento. 

 Mantidas, reguladas e concebidas pelo Poder Público para organizar o tráfego, as faixas de pedestres indicam um caminho seguro para alguém atravessar. Ao pintá-las com as cores do arco-íris, o governo municipal sinaliza uma adesão à pauta pelo reconhecimento do direito de viver em segurança, de fazer parte do tecido complexo da cidade e de nele empreender uma luta coletiva por direitos, respeito e diversidade. 

Juliana Diniz é editora executiva do Bemdito, professora da UFC e doutora em Direito pela USP. Está no Instagram e Twitter.

Juliana Diniz

Editora executiva do Bemdito. É professora do curso de Direito da UFC e Doutora em Direito pela USP, além de escritora. Publicou, entre outras obras, o romance Memória dos Ossos.