Bemdito

A violência política de gênero de cada dia

Nossa conjuntura política como campo de violência contra mulheres no exercício de suas funções
POR Monalisa Soares
A deputada federal Tábata Amaral (PDT-SP) (Foto: Maryanna Oliveira/Câmara dos Deputados)

A participação das mulheres na política institucional, parlamentos e partidos políticos, tem sido objeto de debate para os movimentos feministas e analistas políticas(os). Apesar da conquista do sufrágio no Brasil pelas mulheres ter ocorrido há mais de 80 anos, em 1932, a presença delas nos parlamentos manteve-se em baixos índices: em 2014 alcançou 10% e em 2018 chegou a 15%.

Esse déficit de representação mobilizou — e ainda mobiliza — grandes esforços por parte dos movimentos feministas e das parlamentares visando avanços para a ocupação dos espaços políticos pelas mulheres. A já conhecida Lei de Cotas e medidas como o voto duplo, aprovado recentemente no Novo Código Eleitoral, cujos efeitos foram explicados por Paula Vieira aqui no Bemdito, são exemplos dessa movimentação.

Apesar da formalização de tais iniciativas, cabe destacar a existência — e persistência — de práticas sexista no ambiente político-institucional. A observação sistemática sobre a ampliação da participação feminina na política tem revelado que essas práticas perpassam o cotidiano político das mulheres, erigindo, por sua vez, barreiras à sua atuação.

A violência política de gênero tem se constituído um desses relevantes obstáculos que comprometem a permanência de muitas mulheres no campo político. Pesquisa realizada com parlamentares brasileiras identificou que 80,8% já sofreram algum episódio de violência no mandato. Entre os ambientes em que mais vivenciam as agressões estão a internet (63%) e o próprio Congresso Nacional (54,8%). Os episódios se sucedem, portanto, continuamente.

Há duas semanas, Tábata Amaral (PSB) assinou artigo em que relatava alguns dos inúmeros insultos, agressões e ameaças que lhe são dirigidos diariamente através das redes sociais. O estopim para a reflexão havia sido o compartilhamento pelo ator José de Abreu de um tuíte que ameaçava agredir a deputada “Se encontro na rua, soco até ser preso”. Na ocasião, Tábata recebeu solidariedade da Comissão dos Direitos da Mulher, da Câmara dos(as) Deputados(as), através de Nota de Repúdio à postagem do ator. A repercussão, no entanto, não foi exaustiva; como apontou Paula Brandão em sua coluna, houve um silenciamento no campo progressista, com algumas exceções, da crítica à ação de Abreu.

Na mesma semana, Simone Tebet (MDB), líder da bancada feminina no Senado Federal, também foi chamada de descontrolada pelo Ministro da Controladoria Geral da União numa sessão da CPI da Pandemia, a mesma comissão que já havia registrado episódios de machismo e restrição à participação das mulheres. No dia seguinte, na abertura da sessão da CPI, Tebet demarcou o caráter machista da fala do ministro: “Quando a mulher começou a buscar espaços de poder, ela passou a ser taxada de uma pessoa histérica, uma pessoa louca, uma pessoa descontrolada. Essa palavra não vem à toa, ela está no inconsciente daqueles que ainda acham que mulheres são menores, inferiores”.

No episódio de visibilidade mais recente, sucedido na Câmara de Vereadores(as) do município de Pedreiras (MA), tivemos acesso a uma cena estarrecedora: em meio a um debate, um vereador levanta de sua cadeira para retirar o microfone da colega vereadora por duas vezes consecutivas, silenciando sua palavra no exercício da função política. O vídeo revela ainda o momento em que a vereadora Katyane Leite (PTB-MA) denuncia o ato de violência política cometido pelo colega Emanuel Nascimento (PL-MA).

Se por um lado os casos citados exemplificam a persistência de práticas sexistas no âmbito institucional, por outro, também revelam algumas mudanças em curso no debate público, especialmente no que se refere à intolerância continuamente construída a tais práticas, o que pode ser notado na disposição das parlamentares em denunciar as agressões e na indignação causada diante dos episódios. 

De uma coisa podemos ter certeza: o combate às práticas sexistas na política institucional demanda tenacidade. No último dia 5 de agosto, foi sancionada a Lei 14.192/21, que estabelece normas para coibir a violência política de gênero. Dela espera-se o incentivo para que os parlamentos — e as instituições políticas de um modo geral — ampliem sua capacidade de inclusão, as condições de produção da equidade de gênero e a representatividade política das mulheres.

Monalisa Soares

Doutora em Sociologia e professora da UFC, integra o Laboratório de Estudos sobre Política, Eleições e Mídia e se dedica a pesquisas na interface da comunicação política, com foco em campanhas eleitorais, gênero e análise conjuntura.