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Novo estudo coloca em xeque o número de Dunbar e diz que, sim, você pode ter mais de 150 amigos
POR Yanna Guimarães

Novo estudo coloca em xeque o número de Dunbar e diz que, sim, você pode ter mais de 150 amigos

Yanna Guimarães
yannits@gmail.com

Apesar de não ser famosa ou ter muitos seguidores, minha conta no Instagram foi invadida e desativada no início do mês. Acho que queriam ter acesso ao meu WhatsApp a partir do Instagram pra aplicar o golpe de pedir dinheiro aos meus contatos. Como não tiveram sucesso, devem ter apagado a conta por raiva ou algo do tipo. Enquanto busco recuperar meu perfil e as 700 publicações dele, criei um novo. Por necessidade profissional e também pelo hábito. Na minha conta antiga, tinha quase 2 mil seguidores e seguia mais ou menos 2 mil perfis. Nessa nova, estou com quase 400. E não consigo lembrar as que estão faltando. Se você que estiver lendo esse texto for uma delas, peço desculpas, mas não foi nada pessoal.

As relações sociais na pandemia sofreram uma reviravolta. Descobrimos que a amizade com algumas pessoas não era assim tão grande quanto a gente pensava. Ou que amigos aparentemente distantes se mostraram mais próximos. Faça aí as contas, com quantos amigos você pode contar? Mais ou menos que 150? Em um estudo de 1993, o antropólogo britânico Robin Dunbar teorizou que os humanos não poderiam ter mais do que cerca de 150 relacionamentos significativos, uma medida que ficou conhecida como o número de Dunbar. Mas pesquisadores da Universidade de Estocolmo publicaram um artigo na semana passada questionando esse número e afirmando que as pessoas poderiam ter muito mais amigos se se esforçassem.

Para chegar ao número 150, Dunbar se baseou em observações da socialização de grupos de primatas e no tamanho do neocórtex humano. “A base teórica do número de Dunbar é duvidosa. Os cérebros de outros primatas não lidam com informações exatamente como os cérebros humanos, e a sociabilidade dos primatas é explicada principalmente por outros fatores além do cérebro, como o que comem e quem são seus predadores. Além disso, os humanos têm uma grande variação no tamanho de suas redes sociais “, diz Patrik Lindenfors, professor associado de Ecologia Zoológica da Universidade de Estocolmo e do Instituto de Estudos do Futuro, e um dos autores do estudo.

Assim, a equipe sueca argumenta que o número de Dunbar – que na verdade é um conjunto de números que definem diferentes círculos de intimidade e seus tamanhos, com o número 150 para amigos casuais – não é uma forma razoável de entender a sociabilidade humana. O número de Dunbar, conforme Johan Lind, co-autor do estudo e professor associado da Universidade de Estocolmo, “tem sido criticado há muito tempo”. A equipe dele descobriu que nenhum número máximo de amizades poderia ser estabelecido com precisão. Quando os pesquisadores suecos repetiram as análises de Dunbar usando métodos estatísticos modernos e dados atualizados sobre cérebros de primatas, os resultados foram simultaneamente muito maiores e muito menores do que 150. Em média, o tamanho máximo do grupo costumava ser inferior a 150 pessoas. Mas o principal problema era que os intervalos de confiança de 95% para essas estimativas estavam entre 2 e 520 pessoas.

“As interações sociais humanas são geneticamente limitadas pela influência dos genes na arquitetura do cérebro? Novas pesquisas sobre a evolução cultural revelaram a importância da herança cultural para o que os humanos fazem e como pensamos. A cultura afeta tudo, desde o tamanho das redes sociais até se podemos jogar xadrez ou se gostamos de fazer caminhadas. Assim como alguém pode aprender a lembrar um número enorme de decimais no número pi, nosso cérebro pode ser treinado para ter mais contatos sociais”, disse Lind. O artigo foi publicado na revista Biology Letters.

Em uma entrevista, Dunbar, professor de psicologia evolutiva da Universidade de Oxford, defendeu sua pesquisa. A nova análise, disse ele, “é maluca, absolutamente maluca”, acrescentando que os pesquisadores da Universidade de Estocolmo conduziram uma análise estatística falha e compreenderam mal tanto as nuances de suas análises quanto das conexões humanas. “Fico maravilhado com a aparente falha deles em entender relacionamentos”. O Dunbar define relacionamentos significativos como aquelas pessoas que você conhece bem o suficiente para cumprimentar sem se sentir constrangido se as encontrasse em um saguão de aeroporto. Esse número normalmente varia de 100 a 250, com a média em torno de 150, disse ele.

Estudos à parte, embora possa ser reconfortante – ou não – pensar que exista um número ideal de pessoas de quem devemos nos cercar, a realidade é que não há uma regra que se aplique a todos nós. Eu, por exemplo, achava que tinha uma rede de 2 mil contatos ou pessoas que me influenciavam virtualmente de alguma forma e eram essenciais. Estou com 387 e na prática nada mudou, com exceção do tempo perdido no Instagram, que agora é bem menor. O importante mesmo é tentar fazer-se presente em meio a esse caos da pandemia e buscar a companhia de quem você gosta de ter por perto. Seja 2 mil, 500, 150 ou 10, cuide bem dos seus amigos.

Yanna Guimarães é jornalista e mestre em Comunicação de Ciência pela UNL. Está no Instagram.

Yanna Guimarães

Jornalista e mestre em Comunicação de Ciência pela Universidade Nova de Lisboa.