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“Lost”: racha no CV, criação de nova facção e ameaças de morte

Na comunidade do Oitão Preto, em Fortaleza, parte dos dissidentes do CV teria se articulado para criar uma nova organização criminosa
POR Thiago Paiva

O racha ocorrido entre membros da facção Comando Vermelho (CV), no Ceará, resultou em ameaças de morte aos “traidores” e recompensa aos que permaneceram “fiéis”. Também revelou que parte dos dissidentes se articulava para criar uma nova facção no Estado: a Lost. A coluna teve acesso às informações, que foram confirmadas por fontes da Segurança Pública.

Conforme publicamos no último dia 22, com exclusividade, o enfraquecimento do CV no Estado, após as prisões de grande parte dos líderes da organização criminosa, teria levado a um racha no grupo. Por meio de um “salve geral”, presos da facção que estariam em unidades de segurança máxima do Ceará, e que se identificam como “membros do Conselho CV”, anunciaram seus desligamentos.

O grupo informou que estava “entregando as camisas” e se tornando “neutro” e “massa carcerária”, como são denominados aqueles que não possuem facção. Os motivos para a saída seriam as insatisfações com a condução da facção no Estado, com “derramamento de sangue de inocente”, perseguição de familiares, tomada de territórios, execução de membros, obrigação de contribuição financeira e abandono.

Reivindicando independência, punição a traidores e guerra para manter territórios dominados, eles se dirigiram, em Fortaleza, aos membros de bairros como Curió, Alagadiço Novo, Lagoa Redonda, Guajerú, Coaçu e Paupina, todos na Grande Messejana, além de Moura Brasil e Itaoca. Também foram mencionados municípios como Maranguape, Caucaia, Aracati, Crato, Sobral e Barreira.

Posteriormente, todos os que lideravam a facção nestes locais foram citados em novas mensagens, agora enviadas por lideranças remanescentes e membros de hierarquia superior. Os dissidentes foram apontados como traidores e “alemães”, como são chamados os inimigos, sejam membros de facções rivais, policiais ou os que colaboram com a polícia. Ameaçados de morte, é dito que todos “perderam tudo” e terão suas áreas repassadas aos que permaneceram fiéis e respeitaram o “estatuto” da facção.

No texto, intitulado “Circular Informativo do Comando Vermelho CE”, as lideranças se dirigem aos membros de Maranguape, comunicando que dois membros da facção estavam “tramando para virar massa” e que havia “provas concretas” da articulação. A postura é considerada uma “decepção”. Entretanto, também é mencionada “grande alegria” quanto aos membros que se mantiveram “fiéis”, não traindo a “família” e permanecendo do “lado certo”.

Para estes, há promessas de recompensas, como teria ocorrido em outras áreas, e de “dias melhores”, com reconhecimento a todos por sua “luta e amor pela família CV”. Quanto aos que deixaram a facção, é dito que não são mais considerados “irmãos” e é solicitado que todos deixem as celas ou alas que abrigam membros da facção nos presídios.

Lost no Oitão Preto

Em outro salve, é dito que “todos os traidores vão morrer”, numa referência às lideranças da facção que dominam o tráfico na comunidade do Oitão Preto, no bairro Moura Brasil, na Capital. A mensagem afirma que os traidores estariam se articulando para criar uma nova facção, independente do CV, chamada “Lost”. Descoberto, um dos idealizadores da nova organização é chamado de “fruta podre” que queria contaminar o restante, e que seria arrancada “pela raiz”.

“Quem tentar trair vai morrer e perder tudo”, diz o ultimato. Depois, numa referência ao Ceará, e também ao Rio de Janeiro, berço do CV e estado onde a facção também está enfraquecida, a mensagem reforça o reconhecimento aos fiéis. “Pode ser grande ou pequeno, rico ou pobre, forte ou fraco, o tratamento é o mesmo para todos, sem simpatia, sem escolher cara. Ou vive o crime de verdade ou a cobrança vem, ou seja, todos os traidores vamos atrás e vamos eliminar”, decreta o texto.

Também é dito que, em vários locais, inclusive no Oitão Preto, houve membros que se mantiveram fiéis à facção, apesar do desligamento das lideranças, que cometeram a “mancada” de rasgar a camisa. A estes, é orientado que, se souberem de mais alguém querendo trair a facão, ou que esteja em contato com “alemão”, colete provas para que a liderança possa “cortar na própria carne”.

Órgãos de Inteligência do Ceará monitoram a situação e consideram um possível aumento dos homicídios no Estado em decorrência do conflito instalado. A situação pode piorar, já que, muito embora os dissidentes tenham prometido “não integrar outras facções”, é possível que o grupo seja cooptado pelo Primeiro Comando da Capital (PCC) ou migre para o Terceiro Comando Puro (TCP), ambas rivais do CV.

Outra facção nascida no Rio, o TCP também surgiu de uma dissidência do CV e é aliado das milícias, que dominam a maior parte dos territórios para o tráfico de drogas naquele estado. Tanto o Terceiro Comando, quanto as milícias, têm avançado sobre territórios do CV no Rio. Ambas, porém, ainda não teriam chegado ao Ceará, considerado um Estado de localização geográfica estratégica para o tráfico. Uma adesão a esses grupos traria uma nova rivalidade ao território cearense.

Thiago Paiva

Jornalista especializado na cobertura de segurança pública, política e judiciário, é assessor de imprensa e foi repórter especial no Núcleo de Jornalismo Investigativo do jornal O Povo.