Bemdito

Marcelo Queiroga, o quase-ministro

Depois de Mandetta, Teich e Pazuello, o médico Marcelo Queiroga assume a pasta da Saúde e já inicia seus trabalhos como amaldiçoado
POR Juliana Diniz
Foto: Jefferson RudyAgência Senado

Já tive a oportunidade de compartilhar por aqui meu amor quase inconfessável pelo Nelson Rodrigues. Poucos observadores da sociedade brasileira foram tão cuidadosamente perversos, contraditórios e geniais quanto o anjo pornográfico. O Nelson entendia bem das ambiguidades da alma humana e mais ainda dos vícios ligados aos círculos de poder do Brasil. 

Como bom frasista, o dramaturgo carioca conseguia sintetizar, de forma magistral, em poucas palavras, as mais terríveis conclusões sobre o caráter do brasileiro (ou a falta dele), sem deixar de nos oferecer um humor quase relaxado, complacente com as revelações impuras que ele cuidava de expor pela crônica.

Pois foi o genial Nelson a afirmar que nada mais triste e barnabé que um ex-presidente. O ex é um sujeito empalhado, condenado a viver à sombra da glória passada, eternamente saudoso do séquito perdido de assessores e bajuladores. Eu acrescentaria, para fazer graça, que nada mais triste que um ex-ministro, especialmente aqueles que nunca chegaram a sê-lo plenamente, como acontece com o sereno Marcelo Queiroga, atual ministro da Saúde.  

O médico que responde pela pasta é uma figura triste. A voz pausada denuncia um ar de subserviência incorrigível. Por ter chegado ao Ministério após a passagem de Luís Henrique Mandetta, Nelson Teich e Eduardo Pazuello, Queiroga já iniciou os seus trabalhos como um amaldiçoado: não tem a retórica refinada do ex-deputado Mandetta, a brevidade insípida de Teich ou a falta de vergonha de Pazuello, mas acabou por herdar o espólio indigesto do caldo de todos. Não poderia imaginar um destino mais infeliz.

Em seu colo, caiu um projeto impossível: por ordem na baderna administrativa agravada pelo general que lhe antecedeu, não desagradar um presidente da República inseguro e voluntarioso e comprar centenas de milhões de vacinas recusadas muitas vezes. O ministro precisaria ser técnico, mas nem tanto; autônomo, mas não de forma exuberante; ativo, sem muita inventividade. Uma tarefa hercúlea, que renderia calafrios ao mais corajoso dos homens. Por essa audácia, devemos algum respeito.

Mas eis que, durante a semana, o previsível aconteceu: Jair Bolsonaro, mais uma vez, encurralou seu ministro da Saúde em exercício, incitando-o a adotar uma medida temerária e manifestamente contrária a qualquer bom senso. O presidente anunciou que o Ministério liberaria o uso da máscara para os vacinados e os já curados da Covid-19 – uma decisão que vai na contramão das orientações mais básicas para o controle sanitário da doença.

Dias depois de uma nova aparição na CPI da Pandemia em que teve de admitir, quase à meia-voz, que a cloroquina não funciona, Queiroga atuou para “apagar o incêndio” de seu presidente, esclarecendo ao brasileiro que, por favor, não deixe de usar o equipamento de segurança. Ao botar panos frios nos absurdos de Bolsonaro, o ministro engoliu a seco a vaidade e riu amarelo, mostrando que o seu apego ao cargo sobrevive à mais inimaginável das vergonhas: a de, sendo ministro, não mandar em coisa alguma, e às vistas de todos. Por isso, muito certo o saudoso Nelson: nada mais triste e barnabé que um ex-ministro.

Juliana Diniz

Editora executiva do Bemdito. É professora do curso de Direito da UFC e Doutora em Direito pela USP, além de escritora. Publicou, entre outras obras, o romance Memória dos Ossos.