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O líder se retira

A aposentadoria de Raúl Castro marca o fim de uma era e sugere mudanças nos rumos da ilha
POR Jáder Santana
Raúl Castro no VII Congresso do Partido Comunista de Cuba, em 2016 (Foto: Ismael Francisco / Cubadebate)

A aposentadoria de Raúl Castro marca o fim de uma era e sugere mudanças nos rumos da ilha. Entenda as movimentações internas do Partido Comunista cubano

Jáder Santana
jaderstn@gmail.com

Às vésperas do esperado congresso do Partido Comunista de Cuba (PCC), que este ano chega à sua oitava edição, foram anunciadas mudanças importantes no regime da ilha. A maior delas é, sem dúvidas, a aposentadoria de Raúl Castro, irmão mais novo do ex-presidente Fidel Castro, morto em novembro de 2016. Sua aposentadoria marca o fim de uma era: a ilha esteve sob o governo dos Castro por mais de seis décadas, desde a consumação da Revolução Cubana em 1959. 

O Congresso do PCC, ocasião fundamental para a definição dos novos rumos do governo, com transmissão pela televisão nacional, está marcado para começar nesta sexta-feira, 16, e deve durar quatro dias. Centenas de delegados do Partido, o único do país reconhecido constitucionalmente, se reunirão no Palacio de las Convenciones, em Havana, para debater as diretrizes que guiarão Cuba nos próximos anos. 

Raúl Castro, que havia sido presidente do País entre 2016 e 2019, deve ceder seu cargo de primeiro secretário do PCC ao atual presidente, Miguel Díaz-Canel, que será o primeiro civil a comandar o partido. Prestes a completar 90 anos, Castro se aposenta, como declarou, “para cuidar dos netos e ler livros”. Apesar de seu anunciado afastamento, espera-se que o irmão de Fidel continue agindo nos bastidores, tendo a última palavra sobre decisões importantes para a ilha. 

Explicação importante: o sistema político cubano abriga duas estruturas basilares, o Estado e o Partido. Fidel Castro foi sucedido como presidente, no final de 2016, por seu irmão Raul. Dois anos depois, em 2018, Raúl cedeu a Díaz-Canel o comando do País, mas manteve sob suas ordens a liderança do PCC, que agora também passa para as mãos de Díaz-Canel. A partir da próxima semana, as duas forças estarão, mais uma vez, reunidas sob o controle de um único homem. 

Díaz-Canel assume o comando em momento delicado. Enquanto são engendradas mudanças internas do Partido, Cuba sofre os efeitos da crise decorrente do severo esmorecimento do turismo, principal fonte de renda da ilha, devido à pandemia. Nas ruas, a escassez de alimentos chama atenção. Cuba vive o que tem sido apontado por analistas como a pior crise econômica em três décadas. No ano passado, o PIB do país registrou queda de 11%.

Qualquer movimentação de Díaz-Canel precisa ainda levar em conta um fator novo na política cubana: a internet móvel. Inaugurada no país em dezembro de 2018 como item de luxo – um pacote mensal de 4GB custava o mesmo que o salário mensal médio de um cubano -, a internet mobile marcou uma nova etapa de mobilização e organização social para a população de um país onde, até então, apenas um serviço de e-mail controlado pelo governo podia ser acessado. 

Com a popularização dos celulares e o barateamento da oferta, a internet móvel estabeleceu as bases de crescimento para uma parcela considerável da população que segue insatisfeita com as restrições do regime. Hoje, aproximadamente 4,2 milhões de pessoas (em um país com 11,2 milhões de habitantes) se conectam pelo celular. No cenário de escassez e crise econômica, é por meio de grupos de Whatsapp e Telegram que são compartilhadas ofertas e pedidos de alimentos e remédios. 

Ao mesmo tempo, começam a tomar força protestos de rua organizados a partir do ambiente virtual. No fim do ano passado, um grupo de manifestantes encabeçado por 14 ativistas e médicos que se reuniram em defesa de um rapper preso pelo regime foi apartado pela polícia, mas conseguiu estabelecer novas estratégias de resistência a partir da internet. Dialogar com os clamores oriundos da rede é tarefa fundamental para Díaz-Canel. 

O presidente também deve tentar estreitar as relações do país com os Estados Unidos. Depois da política de aproximação realizada por Barack Obama em seus anos de poder, e da posterior reversão de Donald Trump – que voltou a impor restrições para viagens de americanos à ilha e proibiu transações comerciais com empresas controladas por militares cubanos, os EUA de Joe Biden ainda não deixaram claras suas intenções com a ilha caribenha. Para Cuba, a situação começou a piorar quando, de repente, pararam de chegar os gigantescos cruzeiros abarrotados de turistas norte-americanos. O impacto foi avassalador. 

No início de março, a Casa Branca divulgou que, apesar de pretender rever decisões tomadas por Trump, não é prioridade da administração Biden mudar significativamente as relações com a ilha. Durante sua campanha, o democrata chegou a afirmar que Cuba não estaria “mais perto da liberdade e da democracia do que há quatro anos”. Segundo o governo cubano, as sanções impostas por Trump geraram, durante seu período na presidência, prejuízos de pelo menos 20 bilhões na ilha. Díaz-Canel deve lutar para encurtar essas distâncias.

Além disso, agora comandando os dois principais postos políticos da ilha, Díaz-Canel deve ter margem maior para cumprir uma agenda de reformas que inclui a gradativa abertura da economia ao setor privado, uma ousadia diante do sistema de propriedade que motivou a Revolução de Fidel e que gera reações e opiniões divergentes e apaixonadas na população.

Outra mudança importante, sugerida pelo próprio Raul Castro, foi a substituição, no Ministério das Forças Armadas Revolucionárias, do histórico general Leopoldo Cintra Frias, 79, o “Polito”, por outro veterano, Álvaro López Miera, 77. Frias, “herói da república” que se uniu ao exército rebelde em 1957, aos 12 anos, e cumpriu missões em Angola e Etiópia, deve deixar também o Bureau Político do PCC, formado por 17 membros considerados o núcleo do poder de Cuba. 

Seu sucessor no cargo, o general López Miera, também se uniu jovem , aos 14 anos, ao exército de Fidel, tendo atuado em campanhas militares em vários países da África. No governo central do partido, foi vice-ministro das Forças Armadas Revolucionárias.

Outros grandes nomes da histórica geração participante da Revolução Cubana de 1959, devem ser afastados do comando central. Estão nessa lista, além do próprio Raul e de Contra Frias, José Ramon Machado Ventura, o atual “número dois” do PCC, e o comandante Ramiro Valdés. 

Lidando de forma exemplar com a pandemia do coronavírus – a primeira vacina latino-americana contra a covid deve ser obtida na ilha, que registrou 491 mortes desde março de 2020 – o país assiste às movimentações internas de seu governo com esperança e curiosidade. Para a maior parte da população, a novidade é irresistível. Estão cansados das sanções impostas pelos EUA e da pouca abertura para o diálogo por parte do coração do governo e do Partido. Em seis décadas, é a primeira vez que conhecerão uma família diferente no poder.

Jáder Santana é jornalista e editor do Bemdito. Está no Instragam e Twitter.

Jáder Santana

Editor executivo do Bemdito, é jornalista e trabalhou como repórter e editor de cultura do jornal O Povo, onde também integrou o Núcleo de Reportagens Especiais. É curador da Festa Literária do Ceará e mestrando em Estudos da Tradução pela UFC.