Reconhecimento e denúncia: sou negra, exijo respeito
De acordo com a classificação oficial brasileira, o povo negro é constituído pelo somatório de todos aqueles que se identificam como pretos e pardos. Desde os anos 2000, o número de pessoas negras vem subindo. Essa tendência também se confirma no Ceará. No Estado, negros representam 72,5% da população, conforme pesquisa do Instituto de Pesquisa e Estratégia Econômica do Ceará (Ipece). É importante destacar que em 2018, ainda de acordo com o Ipece, o índice de cearenses autodeclarados negros era de 71%.
Um dos fatores que explicam esse crescimento é a forte mudança no modo como os brasileiros têm se percebido racialmente. É preciso compreender que raça não é apenas um conjunto de características físicas, é também o modo como socialmente somos lidos e tratados. Logo, ao longo de nossas trajetórias de vida, vamos sendo racializados, marcados racialmente, na medida em que sofremos preconceito.
Não é fácil se autodeclarar negro. É um processo doloroso que envolve a rememoração de traumas, violências e exclusões que vivemos desde a infância. São os episódios cotidianos de racismo que vão nos informando que há algo em nós que não é bem visto pela ideologia branca narcisista em que estamos imersos.
O trabalho de ativistas e militantes do movimento negro tem sido fundamental para fortalecer os indivíduos e os engajar na luta coletiva pelo fim do racismo. É ato de resistência afirmar quem se é e compreender a que grupo pertence. Há um grande empenho por parte do movimento negro em dar fim à negação da negritude, reforçar nossa identidade racial e recusar a ideologia da branquitude.
Fortalecer a identidade negra também tem consequências para os racistas. Na medida em que cresce o número de pessoas que se autodeclaram negras, cresce também o número de denúncias de injúria racial e racismo. Conforme os dados da Superintendência de Pesquisa e Estratégia de Segurança Pública (Supesp/CE), as denúncias de racismo cresceram 77% em relação ao primeiro semestre de 2020. Esse dado comunica uma transformação relevante: temos consciência racial, estamos cada vez mais atentos às práticas racistas e exigimos tratamento digno.
Nesta última semana, ganharam repercussão duas denúncias de racismo sofridas por mulheres negras, uma delegada da polícia civil e uma adolescente filha de um defensor público. Por conhecer sua identidade racial e estarem vigilantes, mesmo fragilizadas pela violência racial sofrida, conseguiram denunciar. Apesar da denúncia isoladamente não conseguir transformar a cultura e a ideologia dominante, calar sobre o racismo o potencializa. Lembremos de Audre Lorde: nosso silêncio não nos protegerá. Façamos da nossa voz a nossa força.