Dança das arraias
Toda criança sonha em ser pássaro. Imagina que do alto a vida seja mais leve, e que se poderia sobrevoar por todos os lugares. Com os pés presos ao chão, a criança imagina maneiras de cortar o vento. Três gravetos, saco plástico, papel e um punhado de barbante são o suficiente para alcançar o inalcançável.
Pipa, papagaio ou arraia são invenções para chegar mais perto do céu, embora presas por uma linha que conduz os movimentos. Assim é um pouco mais livre, consegue se sentir por um tempo ao lado do bem-te-vi, que desliza satisfeito entre os vários tons de azul.
Para soltar arraia, é preciso agilidade. Quase como um esporte olímpico, ganha quem conseguir mantê-la nas nuvens. Se o clima não ajuda, haja força no braço para desviar dos obstáculos e executar as manobras.
Sem cerol, arraia se corta com nó dado na linha do outro. E se ela teimar em despencar, haja perna para correr atrás. Pipa que cai do céu não tem dono. É de quem pegar primeiro. O que importa é a diversão.
De cima do morro, na praia e nos calçadões, meninos e meninas de todos os tamanhos esperam o vento perfeito. Em uma dança digna de qualquer balé clássico, as arraias rompem as fronteiras periféricas tendo o fim de tarde como plano de fundo.
Este é um ensaio sobre a infância e o desejo de voar. Imagens feitas pela criança que ainda mora em mim. Um conto de saudade daquilo que consegui viver, e hoje observo em cada bairro de Fortaleza.