Bemdito

Ei, me manda o print?

Conversas em aplicativos, ainda que em grupos, têm caráter privado e são protegidas pelo sigilo das comunicações
POR Desirée Cavalcante

Hábito disseminado no cotidiano virtual, o compartilhamento de prints de conversas do WhatsApp costuma provocar pouco constrangimento em grande parte das pessoas. Da fofoca gratuita à ajuda para interpretar os sentidos ocultos de um diálogo, o envio e recebimento de fotos de conversas é tão naturalizado que chega a ser objeto de memes e piadas de toda ordem. 

É fato que o manual de boas condutas no ambiente digital ainda está sendo construído. Nesse processo, talvez sejam mais mencionados o incômodo diário com o recebimento de mensagens em horários inoportunos ou a chateação com os longos áudios do que o compartilhamento de telas capturadas. Esse tende a ser tratado como um problema menos importante ou, até mesmo, como uma garantia, um trunfo ou uma prova para uma eventualidade futura. 

A divulgação do teor de mensagens, no entanto, pode ter repercussões que ultrapassam o mero rompimento da etiqueta virtual. A despeito de, na dinâmica da Internet, o direito à privacidade costumar ser flexibilizado pelos usuários, as conversas em aplicativos, ainda que em grupos, têm caráter privado e são protegidas pelo sigilo das comunicações. 

Esse tema foi objeto de uma decisão do Superior Tribunal de Justiça, há poucos dias, em uma Ação de Reparação por Danos Morais. No caso, discutia-se se o diálogo realizada em um grupo do WhatsApp teria contornos de confidencialidade e se a existência de interesse de terceiros pelo conteúdo autorizaria a sua divulgação por um dos membros. 

Em resumo, o Tribunal entendeu que o acesso ao conteúdo das conversas somente poderia ocorrer com o consentimento dos participantes ou autorização judicial, podendo ser excepcionado no caso de defesa de um direito do receptor da mensagem. Assim, o mero interesse de terceiros pela conversa não autorizaria a divulgação, que constituiria um ato ilícito.

Além da importância da discussão sobre o avanço da proteção constitucional à privacidade e à inviolabilidade das comunicações nas novas ferramentas tecnológicas, a decisão é uma oportunidade para que se reflita sobre comportamentos cotidianos, que, de tão comuns, costumam não ter as repercussões realmente avaliadas. 

A internet é um ambiente no qual as relações estão sendo construídas de modo tortuoso. Diante de tantas vulnerabilidades geradas pela socialização no espaço virtual, é relevante que se resgate a importância de ser garantida a justa expectativa de que haja o mínimo de confiabilidade nas relações estabelecida entre os indivíduos. 

É válido pensar em quais são as condutas que não adotaríamos no ambiente concreto, mas que realizamos com pouco constrangimento no ambiente digital. A aproximação desses dois mundos, que parecem falsamente cindidos, é necessária para que possamos pensar em formas de superar os  inúmeros incômodos que as novas formas de relacionamento e comunicação têm gerado.

Desirée Cavalcante

Advogada e doutoranda em Direito pela UFC, é professora de cursos de pós-graduação e 1a vice-presidente da Comissão Especial Brasil/ONU de Integração Jurídica e Diplomacia Cidadã da OAB/CE.