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Racha no CV: Moradores expulsos por facção retornam para casa em Caucaia

Testemunha relata que a presença da PM trouxe “sensação de segurança” às famílias. Grupo havia deixado o local após ameaças.
POR Thiago Paiva
Foto: Divulgação/SSPDS

Estão de volta aos seus lares os moradores da comunidade Uga-uga, no bairro Tabapuazinho, na cidade de Caucaia, que haviam sido expulsos por membros de uma facção criminosa. Mediante a presença permanente da Polícia Militar no local, por meio de uma base móvel instalada na entrada da comunidade, as vítimas decidiram retornar. “Por hora, a gente se sente seguro”, confirma uma testemunha à coluna.

Os moradores tiveram o sono interrompido e as casas invadidas por criminosos, na madrugada do último dia 13 de julho, ocasião em que receberam o ultimado para a saída. Pelo menos 50 famílias deixaram o local às pressas na manhã seguinte. Aos poucos, quase quatro meses depois, o grupo está de volta. 

“Enquanto a Polícia estiver aqui, eu posso dizer que me sinto seguro. Meu medo mesmo é do dia em que eles resolverem sair”, revela a vítima. Segundo ela, há quem não tenha retornado. Estes, contudo, seriam membros de uma das organizações criminosas que rivalizam no local. Pertenceriam à Massa, como são definidos os dissidentes do Comando Vermelho (CV), conforme detalhado pela coluna anteriormente.

“É seguro, mas eles ainda estão por aqui. Tanto que já aconteceu de eles (CV) picharem alguns muros das ruas próximas, desafiando os caras e a própria polícia, dizendo pra eles (Massa) mostrarem a cara. Por isso que eles não retornaram. Alguns até estão por aqui, mas confiando também na presença da polícia. E enquanto a PM estiver por aqui, a gente, que é morador, fica. Espero que permaneçam”, resume a vítima.

O episódio de expulsão foi apenas um capítulo na história do racha no CV, que vem sendo contada por meio dos homicídios e crimes bárbaros registrados no Estado desde o último mês de maio. O conflito tem Caucaia como epicentro, mas também é fortemente percebido em bairros da Capital, sobretudo na Grande Messejana, que vem registrando diversas mortes em decorrência da disputa.

Ordens dos presídios

Segundo fontes ouvidas pela coluna, a guerra local entre facções criminosas continua tendo as regras ditadas a partir dos presídios do Ceará. Isso inclui a unidade de segurança máxima erguida na cidade de Aquiraz, na Região Metropolitana de Fortaleza (RMF), inaugurada recentemente para isolar os presos de alta periculosidade, incluindo líderes de facções, além de detentos em situação de alto risco.

É que, apesar da estrutura moderna, resultado de um investimento de mais de R$ 33 milhões, o modelo de segurança da unidade prisional esbarra na morosidade da justiça e na legislação. A penitenciária tem capacidade para 168 internos, sendo 128 vagas em celas compartilhadas e 40 em celas individuais. Estes, para se comunicarem com suas famílias e advogados, utilizam o parlatório: uma cabine com separação por vidro e contato feito exclusivamente por interfone.

Entretanto, as conversas, com duração máxima de 30 minutos, não estão sendo filmadas ou gravadas como previa a Secretaria da Administração Penitenciária (SAP). No caso das visitas em geral, que precisam ser previamente agendadas e são limitadas aos cônjuges, companheiros e parentes de primeiro grau, conforme a coluna apurou, essa gravação se dá “conforme a necessidade” dos órgãos de inteligência, pois não há restrição legal.

Já no caso dos advogados, há um imbróglio. Exceto nos casos de determinação judicial, o monitoramento é vedado, conforme estabelece o Código de Ética e Disciplina da categoria, que garante a inviolabilidade do sigilo profissional para o livre exercício da advocacia. A fonte considera, porém, que todas as conversas deveriam ser gravadas, especialmente na unidade de segurança máxima, assim como já ocorre nas penitenciárias federais.

“Infelizmente, em alguns casos, essas ordens (de criminosos) acabam sendo repassadas também por advogados. Assim, os líderes continuam se comunicando com as ruas por meio dos ‘pombos correios’, como costumamos chamar. O sigilo é uma prerrogativa dos advogados e temos uma legislação garantista. Isso é bom para o cidadão, mas facilita a vida dos bandidos”, avalia o investigador.

A coluna também apurou que há um pedido de autorização judicial para que as conversas entre os presos e seus advogados, na penitenciária de Aquiraz, sejam monitoradas. A ação, movida em conjunto pela SAP e pelo Ministério Público do Ceará (MPCE), tramita sob segredo de justiça.

“Enquanto isso, ainda tem muito salve e ordens saindo dos presídios. Nas demais unidades, elas são demandadas aos próprios familiares e visitas em geral”, completa a fonte. A penitenciária de Aquiraz é a primeira unidade de segurança máxima construída por um governo estadual nas regiões Norte e Nordeste.

Thiago Paiva

Jornalista especializado na cobertura de segurança pública, política e judiciário, é assessor de imprensa e foi repórter especial no Núcleo de Jornalismo Investigativo do jornal O Povo.