Psicanalistas no “Divã”: marcas de um encontro singular
Caligaris afirmava que, quando tudo vai bem, o psicanalista é como um remédio. Uma vez produzidos os efeitos esperados, descarta-se o que dele restou, guardando talvez a caixa para não esquecer o nome, caso os sintomas tornem a aparecer um dia.
Essa metáfora diz algo fundamental sobre o tratamento analítico: a produção de uma experiência de emancipação, de modo a que o/a paciente possa seguir a vida e, tanto quanto possível, provar do próprio desejo sem as interdições da neurose. O papel do/a psicanalista, nesse sentido, tem a ver com sustentar um semblante de objeto e, assim, permitir a emergência de um sujeito onde antes havia apenas um indivíduo, um “isso” enredado às tramas do inconsciente.
Pela própria natureza do ofício, o dia a dia da clínica e as experiências vividas fazem com que, muitas vezes, percebamos nossa prática como algo solitário e de difícil partilha. Também não há qualquer garantia de que o trabalho esteja sendo bem-feito ou de que trilhamos o caminho “certo” na condução do caso, pois a complexidade do ato analítico (as intervenções performadas durante as sessões) produz uma experiência de desamparo que é vivenciada, embora em diferentes medidas, também pelo/a analista.
Por tudo isso, é sempre uma surpresa quando um livro consegue descortinar as intrincadas camadas que perfazem o trabalho de escuta do inconsciente. Certamente, Seu Paciente Favorito: 17 histórias extraordinárias de psicanalistas, de Violaine de Montclos, é um deles. Mediante o contato com quase duas dezenas de psicanalistas, na maior parte das vezes indo aos consultórios dos/as profissionais, a escritora recolheu narrativas surpreendentes a respeito de analisantes que representaram, para cada psi, experiências fundantes de suas práticas. Com isso, ela pôde mostrar a força de certos encontros e as marcas que são capazes de imprimir nos/as que deles participam.
Nos relatos trazidos pela autora francesa, há uma variedade de conclusões. Desde finais “felizes”, a evidenciar situações em que o tratamento analítico foi bem-sucedido, permitindo a elaboração de novos encaminhamentos à experiência inconsciente encarnada pelo sujeito. Até ocasiões em que o laço transferencial foi rompido por haver o/a analista esbarrado em um limite pessoal. Foi o caso, por exemplo, narrado por Patrick Landman à Violaine, no qual ele partilha a intervenção desastrosa que ocasionou uma reação virulenta de Maryse, sua analisanda à época, pondo fim à relação entre os dois. Condensado na frase “Você projeta em mim uma questão que não me diz respeito, age como um parasita em mim com sua história familiar”, o ato discursivo performado por Maryse, invertendo temporariamente as posições entre analista e analisanda, teve o efeito levar Patrick em um caminho apenas vislumbrado por ele em dez anos de análise.
Rejeitando o linguajar hermético que caracteriza muitos textos psicanalíticos, o livro serve como um delicioso convite à potência renovada do encontro, sempre que alguém bate à porta de nossos consultórios.