Antes de ter filho, adote um pet
Se você não é mãe e se sente cobrada por não ter filhos, relaxe! Muitas mulheres dariam tudo pela liberdade que você tem
Paula Brandão
paulafbam@gmail.com
Eu era uma daquelas mulheres bem felizes e que em sã consciência decidem não ser mães. Fim de aula, eu estava sozinha a conversar com uma professora que admirava muito. Eu queria ser como ela! Nesse dia, ao me ver firme no meu entendimento de negar a maternidade, embora casada, ela me disse: “Olha, a conta vai chegar para você de qualquer jeito, caso queira ou não ter filhos. Porém, a mais cara é quando decide por não tê-los.”
Lembro que ela era solteira e que suas palavras me perseguiram ao longo dos anos. Qual boleto eu queria receber da vida? Ao mesmo tempo, tenho a impressão de que estaria muito bem, independente da escolha que tivesse feito àquela época. As mulheres não precisam ter filhos! E se acharem que algo lhes falta na economia dos afetos, invistam em pets!
Às vezes, um bichinho desses resolve sua carência que não é de ser mãe, mas de dedicar afeto. É igual a fome, beba água, pois pode ser só sede! Isso é um conselho, e dos bons, mas cada uma toma suas decisões conforme lhe couber!
Com a invenção da pílula anticoncepcional, definitivamente, as mulheres separaram desejo sexual de reprodução, e assim, passaram a agenciar seus próprios destinos, subindo importantes degraus na escala de estudos e empregos, alijando-se da “missão” de habitar o planeta.
Francamente, tem muita coisa interessante no mundo, garotas! Abram os olhos! Rebecca Solnit, em A mãe de todas as perguntas, revela ter passado por uma saia (e nunca calça) justa, após o lançamento de seu livro, quando o foco da entrevista passou a ser os motivos dela não ter tido filhos (acreditem, sempre é no plural). Mas mesmo ela passa a se justificar, de modo quase defensivo, enumerando os motivos de não tê-los: por gostar de solidão; pelo fato de ter sido criada por pessoas brutas; a outra justificativa é quase ingênua – “o planeta não suporta mais tanta gente no primeiro mundo” – e, a última: porque queria ser escritora.
Trocando em miúdos, a mulher que diz não ser da conta de ninguém se tem ou não filhos, faz um tratado de seus motivos.
Moça, eu sei que desde quando você ainda era muito pequena te deram bonecas e com ela a tua tarefa de maternidade! Ali você sonhou aninhando o seu bebê, e viu tudo isso ganhar corpo. Não bastasse a fantasia toda, que você podia ter entendido que era tão conto de fadas quanto as demais, suas amigas casaram, você passou a andar com um bando de mulheres conhecidas de última hora e começou a acompanhar as vidas felizes das casadas, no instagram.
Esse modelo cis-hetero-patriarcal tá demodé, querida! Tem casal que só sorri para foto, depois vira cada um para um lado da cama e dorme. Pule fora! Lembrei de um livro dos anos 1980, de Colette Dowling, Complexo de Cinderela, que evidenciava que as mulheres desde tenra infância, foram educadas para a dependência, jamais para se sentirem seguras e autossuficientes.
“Fomos criadas para depender de um homem e nos sentimos nuas e apavoradas sem ele. Fomos ensinadas a crer que, por sermos mulheres, não somos capazes de viver por nossa conta, que somos frágeis e delicadas demais, com absoluta necessidade de proteção. De forma que agora, na era da conscientização, quando nosso intelecto dita autonomia, o emocional não resolvido derruba-nos.”
Mantenha o foco na sua vida criativa, embora digam que você é individualista, o que jamais atribuiriam a um homem, e siga em frente! Lina Meruane, em Contra os filhos, diz que às mulheres-com-filhos acrescentam outro trabalho ad honorem, sem salário, sem dias livres, sem férias e com um agravante: “o lugar próprio de criação costuma estar dentro da casa compartilhada com seu filho, um ser que não respeita portas, que não conhece limites.”
Concordando com a diatribe anterior, vou dizer o que podes desfrutar na sua folga, que suas amigas não confessam: não ter filhos é um sofrimento a menos na pandemia, pois é dureza manter-se animada, e ainda ter que convencer uma pobre criança que as coisas vão melhorar. Se der vontade daquele cheirinho de recém-nascido que nenhuma empresa consegue imitar, corra a um hospital, pois acredite ou não, ainda tem um bocado nascendo por lá.
Quando for possível viajar, chegue em casa, arrume a mochila e saia sem destino por aí – eu mesma fazia muito isso antes de ter filho, depois passamos a prever todas as catástrofes e andar com uma das malas excedentes só para o que pode acontecer de errado.
Quando você tiver irascível, tome um banho de horas, daqueles que os ecologistas desaconselham (se forem eco-mães vão te entender, pois sonham com isso desde quando seus rebentos vieram ao mundo). Depois abra um vinho tinto, de boa safra, acenda velas e incensos, o seu dog estará lá do teu lado, afável! Coloque uma música bem alta e dance…
Todas as mães, todas, dariam qualquer coisa por um dia desses! Aproveite por nós!
Paula Brandão é professora da UECE, doutora em sociologia e pesquisadora na área de gênero, gerações e sexualidades. Está no Instagram.