Bemdito

A política e as instituições após os atos antidemocráticos

Diante da inviabilidade de diálogo entre os Poderes, é preciso observar como as instituições reagiram às intempéries bolsonaristas
POR Paula Vieira
Foto: Felipe Campos Melo

Os atos do dia 7 de setembro de 2021 foram um investimento político de Jair Bolsonaro. Medir em sucesso e/ou fracasso não é suficiente para compreender as consequências. Proponho algumas reflexões de partida sem deixar de considerar os inúmeros olhares de análises possíveis de tecer. 

De início, na Câmara dos Deputados, a articulação com o Centrão possibilitou que Bolsonaro e seus aliados colocassem em pauta o voto impresso (auditável). Esse tema nos orienta para construir a linha discursiva do presidente junto aos seus apoiadores, ou seja, a matéria vencida reforçou o discurso de dúvidas e desconfianças no processo eleitoral de 2022. 

Embora a matéria sobre o voto impresso tenha sido vencida na Câmara Federal, não foi o parlamento que se tornou alvo dos constantes ataques de Bolsonaro. Se antes a sua pauta expressiva era a corrupção instaurada no sistema político brasileiro, a aliança com o Centrão reconduziu o foco do presidente. A desconfiança no sistema eleitoral é atribuída aos membros do STF e TSE, Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso. 

Logo no início da manhã de 7 de setembro em Brasília, Rodrigo Pacheco (DEM), presidente do Senado, emitiu nota para afirmar que o seu não comparecimento era por defesa da democracia. Arthur Lira (PP), presidente da Câmara, não compareceu e nem lançou nota. Já tínhamos nesse cenário o distanciamento dos líderes do Congresso. 

No decorrer do dia, os discursos de Jair Bolsonaro, assim como o teor das manifestações, foram dirigidos ao STF. A cobertura da imprensa utilizou repetidamente a expressão “subir o tom” para marcar a gravidade dos discursos. O que vimos foi um compilado de falas dos últimos meses, com gritos de apoiadores que vão gerar vídeos e imagens para circular entre eles. 

Não estou diminuindo a gravidade do teor antidemocrático de Jair Bolsonaro. A reflexão é no sentido de que, quando as falas são diluídas no tempo, há uma característica de mobilização pela repetição para fixar uma ideia. Quando elas são concentradas, torna-se o ápice do movimento. E se o 7 de setembro foi o ápice, nos interessa as possíveis reações institucionais. 

Arthur Lira (PP) esperou até o fim do dia para movimentar o jogo, e o seu lance foi para uma reunião com as lideranças. Gilberto Kassab (PSD), após a afirmação de Bolsonaro que não cumpriria decisões judiciais, passou a considerar o impeachment como uma possibilidade. Até então, o PSD, com uma bancada de 35 deputados federais, apenas sinalizava apoio. 

Bruno Araújo, presidente do PSDB, convocou uma reunião para discutir a viabilidade de apoiar o impeachment. O partido não tinha se posicionado e possui uma bancada de 32 deputados federais. Os possíveis presidenciáveis João Doria e Eduardo Leite se pronunciaram a favor. 

No Senado, Rodrigo Pacheco parou as atividades, o que impacta diretamente na agenda de governo, pois as matérias de interesse do Executivo não são apreciadas. 

O ministro Luiz Fux deve fazer um pronunciamento sobre a fala de Bolsonaro e, possivelmente, indicará os desdobramentos no Judiciário. 

O intuito de retomar esse cenário veiculado em diversos meios de comunicação é observar como as instituições estão reagindo às intempéries de Jair Bolsonaro. A inviabilidade de diálogo entre os Poderes está clara. Por enquanto, a linha de apoio que o presidente da República possui é o Centrão. 

O cálculo do Centrão, por sua vez, depende das estratégias de utilidade de até quando permanecer no governo. Considera, para isso, também os cenários estaduais. A pressão das lideranças partidárias, antes sem interesse em articulação para posicionamentos em relação ao Executivo, agora inicia movimentos para alterar a dinâmica política. 

Bolsonaro fez um ato para si e seus familiares. Com rejeição crescente, é cada vez menos provável que ele tenha espaço para uma reeleição. Buscou deslegitimar o Judiciário para pôr em dúvidas decisões que o prejudiquem e provocou a reação dos agentes institucionais.

No que diz respeito aos agentes políticos, cabe lembrar que eles buscam atrair aqueles que foram bolsonaristas momentâneos. Em termos de capital político, reagir é se posicionar para a próxima competição eleitoral.

Paula Vieira

Doutora em Sociologia e professora da Unichristus. Integrante do Laboratório de Estudos sobre Política, Eleições e Mídia (LEPEM). Pesquisa sobre instituições políticas brasileiras com ênfase na dinâmica do Legislativo.