Bemdito

A treta da magreza

Obesidade nem sempre significa problemas de saúde. Muitas vezes é só preconceito mesmo
POR Yanna Guimarães
Picnic (Francisco Botero)

Os Jogos Olímpicos costumam trazer uma nuvem de união entre compatriotas que não se vê em outros momentos, especialmente nesses tempos sombrios aqui no Brasil. Mas nessa edição em que os brasileiros se orgulharam da skatista Rayssa Leal e da ginasta Rebeca Andrade, muitas tretas ganharam holofotes. Uma delas foi entre Bárbara, a goleira da seleção feminina de futebol, e a canoísta paratleta Andrea Pontes, que comentou, em sua conta no Instagram, que “para a seleção brasileira ser campeã, seria preciso tirar a jogadora da equipe”. Tudo começou porque a canoísta chamou a goleira de “cheinha”. E a discussão foi ladeira abaixo, sem chance de defesa para nenhuma delas. 

No dia que a seleção feminina foi eliminada, não consegui ver os momentos finais do jogo. Quando perguntei a uma senhora se as meninas do Brasil tinham ganhado, ela respondeu: “perderam nos pênaltis. Mas também, com aquela goleira, né? Ela é muito gorda, dava pra ganhar, não”. O preconceito de que corpos magros são mais saudáveis e têm mais disposição invadiu tanto a nossa mente que não conseguimos mais conter comentários (ou pensamentos) desse tipo. Por isso admiro muito as pessoas fora desse padrão “aceitável” que entram e permanecem em uma academia em meio a tantos julgamentos. Gordo deixou de ser uma característica para ser um xingamento. 

Conforme uma reportagem publicada na revista científica Science, a obesidade nem sempre significa problemas de saúde. Ruth Loos, que estuda a genética da obesidade na Universidade de Copenhague, diz que “podemos ser obesos, mas permanecer saudáveis”. Ela e outros pesquisadores no mundo estão examinando genes, modelos animais e humanos para entender como fatores como a distribuição da gordura no corpo e a própria natureza da gordura podem atenuar ou agravar quaisquer impactos de peso extra na saúde. Os pesquisadores também estão trabalhando para definir a obesidade metabolicamente saudável (MHO) e examinar o quão comum ela é e por quanto tempo persiste.

A obesidade é um sinal de alerta, mas muitas pessoas consideradas obesas não têm nenhum indício de doença e vivem uma vida longa e saudável. De acordo com Lindo Bacon, fisiologista, autor e defensor da positividade corporal, afiliado à Universidade da Califórnia, um foco implacável na perda de peso pode custar cuidados médicos vitais. O pesquisador cita um caso em sua família, quando ele e seu pai procuraram médicos porque estavam com fortes dores nos joelhos. O peso dele era considerado normal, por isso foi submetido à cirurgia após a fisioterapia fracassar. Mas seu pai foi instruído apenas a perder peso. “Meu pai morreu com problemas nos joelhos. Ele poderia ter se beneficiado com alongamento, fortalecimento e cirurgia”, conta. 

Buscar a saúde e o bem-estar deve ser sempre a prioridade. Tentar comer bem e se movimentar. Ser ou estar magro não significa estar bem. Muita gente magra está se enchendo de remédios para se manter assim. Claro que não se pode ignorar o fato de que muitos estudos já mostraram a relação da obesidade com o surgimento e o agravamento de muitas doenças, mas isso não deve ser usado como argumento para ser preconceituoso. Todo mundo está indo atrás do seu equilíbrio mental e corporal, especialmente nesses tempos de pandemia. Ser gentil com o outro é contribuir para uma sociedade com menos julgamentos e mais inclusão.

Yanna Guimarães

Jornalista e mestre em Comunicação de Ciência pela Universidade Nova de Lisboa.