Grupo de mães e pais no WhatsApp: uma lição sobre a divisão dos papeis sociais

A temperatura certa da cerveja é de -2ºC a – 4^oC. A melhor cerveja de trigo é a belga Hoegaarden. O ponto da carne, na varanda gourmet, é quando ainda está sangrando. Todo tipo de fotografia que objetifique as mulheres (não as suas companheiras, obviamente). Notas e frases sacaninhas para esboçar todo o tesão que ele não demonstra em casa. Tá liberado também vídeos de homens grotescos, falando atrocidades que imaginam fazer. Esse é o grupo de pais em que seu marido ou ex está metido, seja no condomínio, no trabalho ou no grupo escolar de seu filho.

Rezem para que os pequenos, naquele descuido em mexer no celular do pai, não resolvam entrar nesse grupo por curiosidade, pois tudo que você diz que eles não devem fazer, estará lá, escancarado! Nem com a alta dos preços da carne e das cervejas, esses grupos tiveram baixa. Nada melhor para esses machos do que contar piadas grosseiras e machistas para passar o seu tempo. 

Em Os íntimos, Inês Pedrosa traz diálogos de um grupo de amigos, no qual um deles, diz: “Pouco falamos de mulheres, pelo menos das nossas. Comentamos das que aparecem na televisão, as actrizes, as ministras, as jornalistas. Comentamos basicamente para dizer que o que lhes falta é uma foda fenomenal. Somos todos fenomenais, à volta desta mesa, picando queijos.(…) somos íntimos, partilhando um blog, nunca falamos de mulheres. Ou antes, falamos de mulheres sim, por atacado: esta tem ar de frígida, aquela deve ser bomba, a outra é boa como um cozido à portuguesa, a amiga não presta pra nada.”

Já nos grupos das mães, de qualquer espaço que seja, elas estarão, invariavelmente, tentando provar que são excelentes mães, resolvendo desde máscaras com letras bordadas às demandas escolares infindáveis. Nesses, rola menos brincadeirinhas sexuais, e mais tarefas: manda aí a “xerox” da atividade, me empresta o vestido para minha filha ir para um casamento; ou ainda, opiniões que deveriam guardar para si; ou estão tentando defender os santos filhos, que caíram inocentes nas garras cruéis dos filhos das outras.

Eu já saí em bate boca em todos os que estive, e entendi que eles não foram feitos para dar certo. Amigas, fica a dica: atentem-se para a instrumentalidade de cada um. São ótimos para aquelas mães que são avoadas sobre as datas de provas dos filhos, que esquecem que amanhã tem que levar caixa de sapato vazia, para que possam entrar no outro grupo, do condomínio, para pedir cartelas de ovos e revistas velhas.

É muito importante que você dê poucas informações sobre suas escolhas políticas, religiosas e sobre a eficácia da vacina. Sorria – kkkkk – e siga em frente, porque, inevitavelmente, você precisará desses grupos para saber questões referentes a escola, ou por onde anda seu pequeno. Já fui salva inúmeras vezes, por mães que ajudam também, e muito, lembrando de coisas que eu sempre esqueço. E sou agradecida a todos elas, mas uma das minhas maiores alegrias, foi na sexta passada, quando o semestre acabou e eu pude, enfim, agradecê-las por toda aquela ajuda e sair do grupo.

No sábado seguinte, acordei bem mais tarde, com um grupo a menos apitando desde cedo. Que felicidade! Foi então que começaram a chegar mensagens insistentes. Meu deus, o semestre acabou ontem e no outro dia tinha uma mãe vendendo todos os 12 paradidáticos e outros tantos didáticos, para mim. Ela fez vídeos, mostrando e dizendo que era uma mãe super atenciosa, e que valorizava os estudos dos filhos. Os livros eram impecáveis, pois o menino escrevia todas as respostas no caderno. Eu fiquei atônita! Não é possível! A primeira pergunta que eu fiz foi quem deu meu contato, imaginando que era minha amiga coxinha que adora gozar dessas coisas de mãezinhas comigo. Foi ela? Foi não. 

Queria dizer, portanto, OBRIGADA, seja quem for a mãe que tenha dado o meu contato. Devem ter pensado: vou ajudar essa coitada! Estou agora com os livros zerados, por um terço do valor real, porque graças a deus, ao contrário de mim, há mães muito atenciosas. Não contém ironia aqui, apenas agradecimento! Em fevereiro, vixi, em janeiro (Eita, para que saí do grupo?) quando as aulas iniciarem, estarei com tudo feito. Se dependesse de mim, nem teria saído do lugar, pois sou daquele modelo que pensa assim: ainda falta muito tempo, e esqueço até o dia que é impossível não lembrar!

Mas eu queria dizer que a gente precisa relaxar mais, que no lugar dos homens postarem só diversão, e nós assumirmos os papéis de mães, educadoras, mediadoras de conflitos, salvadoras da Pátria, possamos ser apenas suficientemente boas, à la Winnicott. Mulheres, relaxem por esses dois meses! Tirem férias desses grupos! Bora falar de vinhos, cervejas, queijos, enviar fotos dos boys de sunga para nos vingarmos da objetificação cansativa. Nós quando queremos falar sacanagem, somos mil vezes melhores, acreditem! 

Recorrendo a Inês Pedrosa, novamente, os amigos do livro comentam: “A emancipação das mulheres parece ter-lhes aguçado um espírito científico perturbantemente materialista. Elas discursam sobre o ponto G com a arrogância de bravos desbravadores. Elas reivindicam o conhecimento exclusivo dos orgasmos múltiplos com ar satisfeito com que, há cinquenta anos, apresentariam uma inovadora receita de arroz de pato. É fácil imaginar que, quando se reúnem em grupinhos estridentes, em torno de saladas de algas, falem de tudo o que nós lhe fazemos – e também, é claro, de tudo o que não somos capazes de lhes fazer.”