Bemdito

Por que deixei de ser “evangélico”

O desencanto com a religião que se alinhou ao acúmulo de riqueza, à expropriação violenta da terra, ao colonialismo e às assimetrias de raça, classe e gênero
POR Jamieson Simões
Brasília - O pastor Silas Malafaia durante audiência pública na Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa do Senado, para debater o projeto de lei da Câmara que estabelece punições para quem discriminar homossexuais

A palavra Evangélico tem como origem o termo grego Koinê, que significa boas novas/boas notícias. Mas faz tempo que o povo que se intitula “povo de Deus” não dá boas notícias para o país e para o mundo. Tenho duas grandes questões que me fizeram romper em definitivo com esse segmento religioso. Sem volta. Sem concessões. 

A primeira questão tem caráter soteriológico, e a minha experiência de paternidade elevou minha compreensão da salvação. Acompanhe. Se Deus é bom e justo, pai amoroso e criador de todas as coisas, como poderia relegar seus filhos e filhas, criados e criadas em amor, ao castigo eterno de sofrimento, dor e separação? Ou Deus é isso que afirmam dele ou não é pai. Meu paternar é uma experiência de amor, acolhimento, doação, liberalidade e aprendizado mútuo e contínuo. Não tenho interesse nenhum em um Deus que não dialoga, que castiga e abandona a sua criação se esta não corresponde às suas exigências e aos seus códigos morais.

A segunda questão é que o cristianismo se tornou uma ameaça planetária. A religião cristã está desde sempre alinhada ao acúmulo de riqueza, à expropriação violenta da terra, ao colonialismo e às suas assimetrias de raça, classe e gênero. O agronegócio assassina povos indígenas e envenena terra, céu e ar, sob as bênçãos da igreja cristã. O espírito (imundo) de proselitismo violento leva à morte e ao apagamento  de culturas milenares na África e em outros continentes. O racismo religioso operado no Brasil ganhou estrutura e alcance com o neopentecostalismo vociferado em canais de rádio e TV por pastores evangélicos sem nenhum compromisso com Jesus e a sua Boa Nova.

Evidentemente, Jesus, o Negro de Nazaré, continua incólume e relevante. Seu projeto de sociedade justa e solidária, baseada no amor e na comunhão, são para mim inspiração, rumo e prumo. Há uma geração de homens e mulheres que são luzeiros místicos: Beato Zé Lourenço, Irmã Dorothy Stang, Dom Helder Câmara, Irmã Gorete/Bom Jardim, Ariovaldo Ramos, entre tantas outras, que seria impossível nomeá-las. É incompatível com a fé evangélica o flerte com o fascismo. É incompatível seguir a Jesus e ser homofóbico. É incompatível chamar o nome de Jesus e aclamar torturadores. O que acontece no Brasil não tem nome, mas posso usar uma categoria bíblica para isso: a abominação da desolação.

Seguir – ou pelo menos tentar seguir – Jesus com radicalidade me libertou da religião. Não quero estar associado com essa liderança que se incomoda com a identidade de gênero, mas fecha os olhos para a concentração de terra e riqueza. Ainda sonho com um estado laico, diverso e plural. Prefiro caminhar ao lado dos sem-teto, dos sem-terra, das prostitutas e dos ladrões, do que me banquetear com riquezas injustas. Acalento no meu peito a chegada do grande dia em que Ele me perguntará pelos famintos, pelos presos, pelos doentes, e eu poderei responder que estive com eles e que servi ao próprio Jesus. Que Deus nos livre de um país cristão.

Jamieson Simões

Pesquisador em juventude e violência, é assessor do Comitê Cearense de Prevenção à Violência da Assembleia Legislativa e mestrando em sociologia na UFC.