Prefiro amigo de coluna forte
O musical premiado da Brodway, chamado Hamilton, pode ser visto no streaming “Disney +”. A obra trata da vida de Alexander Hamilton, um dos pais fundadores dos Estados Unidos, que tem uma história de vida cheia de reviravoltas e é marcada pela capacidade de trabalho e inteligência fora do comum.
Ele nasceu em uma colônia britânica na América do Norte, ficou órfão e foi de navio aos EUA na esperança de uma vida melhor. Para quem é fã de musicais, tem curiosidade por história ou só quer um entretenimento de qualidade, é um programão. Me enquadro nos três e, por isso mesmo, já assisti ao citado musical tantas vezes que já perdi as contas.
A cada vez que assisto, algo novo chama a atenção ou soa diferente. Um clássico, né? Não somos os mesmos e as coisas também não. Pois bem, na última vez que assisti, um diálogo muito rápido ficou ecoando por dias.
Após um escândalo na sua vida pessoal e a perda de um filho, a carreira política de Hamilton estava bastante abalada. Não havia a possibilidade de concorrer à presidência e substituir George Washington – de quem foi braço direito – , mas os dois presidenciáveis eram conhecidos seus.
Jefferson e Burr, ambos também participaram do que é considerada a fundação dos Estados Unidos como nação e, por mais que tenham trabalhado juntos, eram inimigos seus. Ao longo da vida, brigaram muitíssimo, por diversos motivos. Diante do dilema sobre quem apoiar, sabendo que seu apoio seria o fiel da balança, ele opta por Thomas Jefferson.
Ao ser questionado por Burr, responde que, mesmo tendo convivido menos com Thomas Jefferson, e não concordando com ele em muitas coisas, ele sabe quem Jefferson é. Sabe quais são seus princípios e sabe quais seus valores. Burr mudou de partido, ideias e ações durante a vida baseado nos interesses, não era confiável.
A lição presente nesse curto diálogo é gigante, inclusive essa lição diz muito sobre o porquê de a vida e memória de Hamilton serem homenageadas até hoje. Diante de um momento importante, soube ver além de si e valorizar a honra e o apego aos valores no outro. Esse tipo de coisa não é tangível ou passível de receber um preço, remete a pessoas que têm um centro forte, qualidade que se expressa de formas distintas nas personalidades.
A esse centro forte, é possível remeter a imagem de uma coluna. A palavra “coluna” pode fazer referência ao que segura construções inteiras ou à espinha dorsal, que segura um ser humano. Como disse, a lição desse breve diálogo ficou em minha mente por dias.
Bauman e seus fãs que me perdoem – ou não – mas a liquidez da sociedade, das relações e das pessoas não me parece atraente. Confrontada com diálogos como esse e com acontecimentos do dia a dia, tenho cada vez mais certeza que é a solidez, e não a liquidez, que faz com que pessoas e suas histórias cheguem mais longe e valham a pena de serem lembradas.
Mas ok, não precisamos fundar uma nova nação nem ganhar um musical para a vida. A lição de Hamilton e a preocupação com a solidez têm tido cada vez mais espaço na vida diária. Afinal, é na rotina e nas pequenas coisas, que às vezes passam sem nem percebermos, que está a mágica da coisa. E uma parede sólida é feita de vários pequenos pedaços, não é mesmo?
Gente que tem coluna costuma ser mais confiável. Cada dia mais os prefiro para amigos. Amigos mesmo, não colegas. Ainda que pensem de forma oposta, como foi com Hamilton e Jefferson, essas pessoas de coluna forte revelando – não nos grandes discursos, mas nas atitudes diárias – compromisso e responsabilidade são as melhores para ter por perto e em quem, ainda que pensem diversamente, podemos colocar o nosso apoio e voto, ao que quer que seja.